Réplica ao artigo "Os ii do Acordo Ortográfico, ponto por ponto", in jornal Público de 11 de Janeiro de 2010.
Duas cartas, dos leitores Jorge Guimarães, de Oeiras, e António Rebelo de Carvalho, de Londres, aqui publicadas em 6 e 7 de Janeiro p. p. — assim como um artigo de Francisco Miguel Valada ["Os ii do Acordo Ortográfico, ponto por ponto", publicado também no passado dia 7] — ripostaram ao meu artigo "Alguns pontos nos ii sobre o Acordo Ortográfico" ["Público" de 4/1/2010].
Respondo-lhes rápido e depressa, e apenas ao que, afinal, levou a essa minha inicial intervenção: a falaciosa comparação entre o inglês (que nunca teve nem precisou de qualquer acordo ortográfico) e o português. Falaciosa porque:
1) Há toda a diferença entre uma língua, a nossa, com duas ortografias oficiais (repito: ortografias oficiais), antagónicas e excludentes entre si, e o inglês. No inglês, as suas variantes ortográficas assentam numa mesma matriz veiculada em todo o mundo anglófono, assim como nas mais variadas instâncias internacionais (políticas, económicas, culturais, académicas, militares, humanitárias, etc., etc., etc.).
2) Essa matriz é resultado de uma fortíssima tradição dicionarística, que se impôs como norma gráfica no mundo anglófono — reforçada e consagrada na prática administrativa dos respectivos países.
3) Para o inglês, não há uma autoridade para a língua, como são as academias para o francês, para o espanhol ou para o português (em Portugal e no Brasil)? A verdade é que ela é exercida na fixação também das suas normas gráficas, cuja padronização cabe aos grandes dicionários de referência, desde o de Samuel Johnson — publicado em 1755 — até aos dos nossos dias. É o caso do Oxford English Dictionary, fruto da intervenção de uma editora em íntima ligação com o mundo académico, que hoje incorpora as variantes ortográficas do inglês dos Estados Unidos.
4) Uma última e grande diferença: a ortografia inglesa não só mudou muitíssimo pouco nos últimos duzentos anos como as suas duplas grafias actuais incorporam a mesma norma ortográfica. Nada que ver, portanto, com o que se passa(va) com o português do Brasil e o português europeu.
Quanto ao resto — a arrastadíssima querela do pró e do contra o Acordo Ortográfico —, desculpem-me, mas essa só não é uma questão arrumada na prateleira da história por quantos, já lá vão 20 anos, militam na campanha do anti… até ao fim dos seus dias. Basta consultar no Ciberdúvidas o que, desde então, já tanto se dirimiu a favor, contra e assim-assim. Agora, a mim, o que me interessa, e me preocupa, de facto, é saber como esta reforma ortográfica vai ser (bem) aplicada em Portugal e nos demais países de língua portuguesa.
in Público, 12 de Janeiro de 2010