Português na 1.ª pessoa - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
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Por Virgílio Dias

1. Quem é um pronome indefinido que tem usos relativos e interrogativos.

Como relativo, quem implica sempre um antecedente que se pode apresentar expresso ou semanticamente incorporado. Por isso, o relativo quem nunca pode estar na origem de orações substantivas.

 

A recente tragédia da Noruega, em que um jovem fundamentalista cristão chacinou mais de 80 pessoas, levou os jornais a debruçar-se sobre as ideias contidas num Manifesto que este teria escrito. O Diário de Notícias (de 25 de Julho de 2011, p. 4) apresentou até algumas passagens do mesmo, não sei se com tradução própria, se alheia. E a dado passo surge isto:

«Os europeus nativos devem exigir um período transitório de deseurabificação pública […]»

Ainda agora [em Portugal] se apontou o mau exemplo das páginas em branco, propositadamente em branco e assim assinaladas, nos boletins dos exames nacionais. Houve quem fizesse as contas e chegasse às mais de duzentas mil folhas desperdiçadas. Obcecados por números e oscilações bolsistas, os críticos não perceberam o “momento Mallarmé” que era oferecido aos alunos.

<i>Memorial do Convento</i>, <br>«uma permanente homenagem à língua portuguesa»

Mal iniciara seu discurso, o deputado embatucou:

— Senhor Presidente: não sou daqueles que...

O verbo ia para o singular, ou para o plural? Tudo indicava o plural.

No entanto, podia perfeitamente ser o singular:

— Não sou daqueles que...

Não sou daqueles que recusam... No plural soava melhor. Mas era preciso precaver-se contra essas armadilhas da linguagem — que recusa? —, ele facilmente caía nelas, e era logo massacrado com um aparte. Não sou daqueles que... Resolveu ganhar tempo:

«Entrámos para o euro há dez anos atrás», «Deveriam ter sido tomadas medidas adequadas há muito tempo atrás»: este tipo de frases ouve-se cada vez mais, havendo quem considere correcta a utilização da palavra atrás como forma de intensificar a ideia de passado.

Ora, expressões do tipo «há anos atrás», «há meses atrás», «há muito tempo atrás» estão incorrectas. Nem podemos sequer considerar que há uma redundância aceitável.

O acordês e a glotofagia
Convenção e exclusão no mundo de língua portuguesa

«Reconheço algo de nobre na ideia de unificar, juntar, como se pudéssemos todos "falar a mesma língua". Porém, a mesma língua pode falar-se nas variantes existentes e, se há fracturas e incompreensões, elas são atribuíveis a questões políticas e económicas e nunca a questões ortográficas», escreve o professor António Jacinto Pascoal neste artigo de opinião publicado no dia 14 de julho de 2011 no jornal Público.

Concordo inteiramente com o consulente, e desde já lhe agradeço a possibilidade que nos deu de poder abrir este debate, assim como a frontalidade com que aborda estas questões. Relembro aqui, de forma que julgo pertinente, as palavras sensatas de uma das personagens do famoso livro do escritor britânico (nascido na África do Sul) J.R.R. Tolkien, O Senhor dos Anéis, «nem mesmo os mais sábios conseguem ver todas as pontas».

Obrigado pela abertura de discussão. Isso mostra que vocês não são tolhidos.

Sobre a entrada Ainda o pronome quem e o indefinido «seja quem for» [II], de Pedro Mateus [...], tenho algo a falar AINDA.

Antes de mais nada, quero deixar claro que eu não desprezo os "grandes mestres", como Pedro Mateus sugere.

Ainda que o estimado consulente não seja, pelo que me é dado a entender, adepto do recurso aos «grandes mestres», parece-me incontornável, na minha opinião, fazê-lo. Assim, insisto nas reflexões de Cunha e Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo): «PRONOMES RELATIVOS são assim chamados porque se referem, em regra geral, a um termo anterior — O ANTECEDENTE». Deste modo, «os PRONOMES RELATIVOS apresentam: [...] formas variáveis [o qual, a qual, os...