1. Quem é um pronome indefinido que tem usos relativos e interrogativos.
Como relativo, quem implica sempre um antecedente que se pode apresentar expresso ou semanticamente incorporado. Por isso, o relativo quem nunca pode estar na origem de orações substantivas.
Aquele, ou a pessoa que...
Estive hoje com alguém, aquele ou aquela...
Nos casos em que ao quem falta um antecedente expresso, a presença cumulada dum antecedente semântico é de tal modo relevante, que, sintacticamente, aquele indefinido relativo desempenha duas funções diferenciadas, correspondendo uma ao constituinte nominal e outra ao relativo (cfr. n.º 3).
2. O indefinido relativo quem pode, em certas frases, equivaler a «quem quer que», mas não é esse o seu sentido mais frequente, e, em muitos casos, não é semanticamente aceitável. Mesmo em tais casos, a sua dupla função sintáctica é constante (cfr. n.º 3)
*quem quer que...
Aquele (que viste na minha casa) é o namorado da minha filha.
[Quem, nesta frase, incorpora uma forma nominal, que é sujeito — e, também, um pronome relativo, que é complemento directo]
3. Quem, quando relativo não preposicionado, corresponde sempre a aquele que, a pessoa que, alguém que — e essa dupla função é-nos tornada evidente pela análise sintáctica. Assim:
O Luís procura quem o possa ajudar na escola.
Aparentemente, a descrição é:
Suj.: «O Luís»; pred.: «procura quem o possa ajudar na escola»; «quem o possa ajudar na escola»: compl.: directo.
Esta análise é aceitável (?), mas...
Mas continuemos, e façamos, errada, a descrição sintáctica no interior do sintagma verbal:
«quem o possa ajudar na escola»:
— *oração subordinada completiva (integrante, substantiva).
— Suj.: *quem (???)
Ao iniciarmos a análise desta oração subordinada, caímos na conta de que estamos a errar. O quem só pode ser sujeito de orações interrogativas ou exclamativas. Logo... a descrição lógica, ou espontânea, que estávamos a apresentar, é agramatical.
Aquela oração não é completiva (integrante, substantiva), mas relativa. Nela, o indefinido relativo quem terá de ser descrito no desempenho de duas funções: complemento directo do verbo procurar e sujeito da perífrase possa ajudar (predicado da oração relativa).
A análise deve, pois, ser como segue:
Oração composta com uma oração subordinada relativa adjectiva restritiva: «que o possa ajudar na escola.»
— pred.: «o possa ajudar»; c. dir.: «o»; «na escola»: adjunto circunst. de lugar.
4. Confirma-se, ainda, a dupla função do indefinido relativo quem pela verificação do princípio sintáctico, segundo o qual: a mudança de número no interior duma frase em caso nenhum altera as relações sintácticas entre os seus constituintes.
Ponhamos no plural as duas frases que vimos analisando:
O Luís procura quem o possa ajudar na escola .
As pessoas que viste — aqueles que viste — na minha casa são os namorados das minhas filhas.
O Luís procura aqueles que — as pessoas que — o possam ajudar...
O plural não alterou as relações sintácticas entre os constituintes da frase — e tornou clara a incorporação de dois constituintes no relativo quem.
5. Não há relativas sem antecedente, nem relativas substantivas. Quem, pronome relativo, em caso nenhum suporta qualquer apagamento do antecedente.
As provas de Bechara para a existência de tal apagamento, citadas por Pedro Mateus, não são válidas: têm como base orações interrogativas indirectas e não relativas.
Cf. O pronome quem e o indefinido «seja quem for» I (Fernando Pestana); O pronome quem e o indefinido «seja quem for» II (Pedro Mateus); O pronome quem e o indefinido «seja quem for» III (Fernando Pestana); O pronome quem e o indefinido «seja quem for» IV (Pedro Mateus)