Ainda agora [em Portugal] se apontou o mau exemplo das páginas em branco, propositadamente em branco e assim assinaladas, nos boletins dos exames nacionais. Houve quem fizesse as contas e chegasse às mais de duzentas mil folhas desperdiçadas. Obcecados por números e oscilações bolsistas, os críticos não perceberam o “momento Mallarmé” que era oferecido aos alunos.
Nos antípodas, vai o discurso do “economês”, mesmo o proferido por economistas. A austeridade é patente e enternece. Todos sabemos que a oralidade é preguiçosa. Ninguém se vai extenuar a perguntar «estás bom?» se pode logo dizer, e a tendência é essa, «tás bom?». O exemplo é absurdo dadas as circunstâncias, mas ilustra bem a economia de linguagem que instintivamente praticamos.
Prática que excede o mero simbolismo, do não uso da gravata nos ministérios às viagens em classe turística, é a da poupança silábica. No país de anteontem que, não obstante “pobrete mas alegrete”, tinha artes de aforrar, fosse na palha ou no cherne, comove a austeridade glotofágica dos opinadores, actores políticos, figurantes de ocasião.
Se o tempo é feito de poupança, atiremo-nos à língua! É verdade que já exercitamos virtuosa austeridade no léxico. Os cerca de quatrocentos mil vocábulos do idioma lembram as centenas de barras de ouro da reserva pátria. Consolamo-nos em saber que existem, em “estado de dicionário” ou na caixa forte do Banco de Portugal. Haverá maior luxo que o da contemplação?
A metáfora está na categoria de lixo. Pronunciar correctamente as palavras também. Para quê dizer competitividade se se pode abreviar para "competividade"? Se já tudo é tão efémero, melhor é assumir a "precaridade" da nossa condição. A precariedade pode levantar suspeitas de algum novo-riquismo não compaginável com a condição de “mortos de sobrecasaca” que vamos sendo.
É consolador saber que quem conhece bem a crise, embora não a tenha previsto, se muna de todas as ferramentas para a debelar. Melhor do que ninguém, o “economês” sabe que isto não vai com prótese(s), epêntese(s) ou paragoge(s). Dizer mavorte para rimar com morte? Abrenúncio! Praticar a sinédoque ainda é pactuar com algum despesismo. E que dizer do “incomprimento” (em vez de incumprimento)? É só prestar alguma atenção a algum do pior economês à volta da boa ou má execução dos ditames da tróica.