A Terminologia Linguística para o Ensino Básico e Secundário (TLEBS) [em Portugal] é uma lista de termos que vai além do que tradicionalmente se chama gramática. Alguns nem sequer são novos, mas têm gerado muita polémica, lamenta Inês Duarte, professora catedrática da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e uma das autoras, responsável pela parte da sintaxe e da classe das palavras. A professora, que recusa qualquer guerra entre os estudiosos da língua e os da literatura, lamenta o esquecimento a que a gramática tem sido votada e espera que esta volte aos bancos da escola. "O objectivo da terminologia é facilitar a aprendizagem", afirma.
“Público” — O que é a TLEBS?
Inês Duarte — É um instrumento terminológico. A primeira etapa para conhecer uma coisa é distinguir os vários aspectos dessa coisa e depois dar-lhes nomes. Com a língua, temos de, em primeiro lugar, olhar para ela, ver quais são os vários elementos que a constituem e dar-lhes um nome. Professores e alunos têm de partilhar vocabulário comum para falar sobre um mesmo objecto.
“Público” — Se já existia uma terminologia, conhecida por professores e alunos, porquê a necessidade de criar uma nova?
Inês Duarte — A nomenclatura oficial é datada de 1967. Entretanto, houve uma evolução dos programas que fez com que esse texto tenha deixado de ser a referência para o ensino da língua. Para muitos professores, este estado de "anarquia terminológica" tem justificado a fuga ao ensino da gramática.
“Público” — É essa anarquia que faz com que professores e alunos fujam ao seu estudo?
Inês Duarte — Há outros factores a ter em conta. Há pedagogias que reivindicam a inutilidade do ensino da gramática. Uma parte substancial da discussão à volta da TLEBS tem na base essa perspectiva de que o ensino da gramática é inútil.
“Público” — Mas de onde surgiu essa perspectiva? São os professores que não gostam? São os alunos que fogem da gramática como fogem da Matemática?
Inês Duarte — Não vejo que seja uma recusa dos alunos. Não estamos a falar de alteração de conteúdos programáticos — nem a TLEBS tem esse objectivo, porque quem fixa os conteúdos gramaticais a ensinar são os documentos normativos, o currículo nacional e os programas. Não é esta terminologia que determina o que os alunos têm de aprender. Tudo o que ela faz é fixar termos a utilizar para designar os conceitos gramaticais que são objecto de aprendizagem.
“Público” — Então porque se foge ao ensino e à aprendizagem da gramática?
Inês Duarte — Há várias razões para essa fuga. Uma das primeiras, e estamos a falar dos anos de 1970, é a associação do ensino da gramática a práticas autoritárias, elitistas, penalizadoras dos alunos com menos capital cultural. A segunda está ligada ao peso que ganharam as abordagens comunicativas no “Público” ? Como?
Inês Duarte — A ideia é que o primeiro objectivo a alcançar na aprendizagem das línguas estrangeiras é levar o aluno a ser capaz de interagir nessa língua. É uma perspectiva que subalterniza a gramática.
“Público” — Até que ponto a formação inicial não afastou os futuros professores do ensino da gramática?
Inês Duarte — Os objectivos e os conteúdos da formação não são idênticos em todas as instituições de ensino superior. Aconteceu ainda, na altura da massificação do ensino, que os grupos de docência não coincidiam com a formação disponibilizada nas instituições. Por isso, há professores de Português licenciados em História ou em Filologia Germânica, por exemplo. Como é natural, a sua formação científica de base não os preparou para o ensino do Português. Muitos deles, através do estudo e da procura de formação, tornaram-se excelentes professores. Mas, compreensivelmente, isto não aconteceu generalizadamente. Isto tem custos.
“Público” — Nos resultados dos alunos.
Inês Duarte — Sabemo-lo pelos resultados de projectos de investigação, das provas de aferição, dos exames nacionais do final do secundário... Sabemos que 12 anos de Português não preparam os jovens para a diversidade e a complexidade de usos da língua. Ninguém pode estar contente com os resultados dos alunos e todos estarão de acordo que é necessário fazer intervenções sérias, programadas e avaliadas para que a situação se altere. Se queremos construir uma sociedade do conhecimento, precisamos de cidadãos com uma formação de base muito sólida e preparados para transformar a informação em conhecimento. Uma das formas principais de o fazer é através do que ouvimos, lemos e estudamos.
“Público” — O Ministério da Educação optou pela experimentação da TLEBS. Concorda?
Inês Duarte — Foi uma boa ideia. Em ciência, não há infalibilidade papal, ninguém sabe tudo. E, quando se trata de propostas com incidência em todo o sistema educativo, as decisões são ainda mais complicadas. Por isso, procurou-se, desde o princípio, ter o feedback dos que estão no terreno para perceber o que precisa de ser "podado", alterado ou introduzido. E é um procedimento que me parece correcto.
“Público”— Como está em fase de experimentação, tudo pode ser mudado?
Inês Duarte — Tudo, espero que não! Há críticas relativamente a etiquetas que pertencem ao corpo da tradição gramatical luso-brasileira, como "conjunção coordenativa copulativa". Quem está envolvido neste projecto não está a defender uma dama, porque, sim, fomos os primeiros a dizer que havia aspectos que precisavam de ser revistos, em função da experimentação pedagógica e de pareceres de outros especialistas em ensino do Português. Uma das críticas é que se pretende criar "pequenos linguistas", pois os alunos vão aprender matérias adequadas ao ensino superior. É assim? Não creio. Nos planos de estudo das universidades, no primeiro ano, há cadeiras de remediação, em que se ensinam coisas básicas como as regras ortográficas ou as formas verbais. Não é normal que, ao fim de 12 anos de escolaridade, os alunos não saibam essas coisas. A TLEBS é um instrumento que fixa os nomes a usar para a aprendizagem, não prevê alunos especialistas, porque os conteúdos gramaticais já estão definidos pelos programas e pelo currículo nacional, nada mais.
“Público” — Muito se tem escrito nos jornais sobre a TLEBS. Não há um acordo tão grande quanto a este tema, pois não?
Inês Duarte — Os colunistas são fazedores de opinião. Nisto, como noutros assuntos, muitas vezes fala-se um bocadinho de ouvido e isso não deixa de acontecer nesta polémica. Alguns pretendem criar na opinião pública a ideia de que as pessoas que trabalham sobre a língua querem roubar espaço à literatura, e isso não podia ser menos verdade. É falsa a ideia de que estamos a trabalhar uns contra os outros. Como é insustentável, a meu ver, a ideia de que é possível abordar o texto literário sem olhar para a sua materialidade linguística.
“Público” — E as críticas dos pares, dos professores universitários?
Inês Duarte ? Todas as críticas, desde que sejam isentas, construtivas, feitas no tom que estas coisas devem ter, são muito bem-vindas.
“Público” — Há uma petição na Internet, da responsabilidade de pais que não querem os seus filhos sujeitos a esta experiência. É mais uma pressão?
Inês Duarte — Também houve quando se queria aplicar a reforma educativa. Há sempre. O que se espera é que se pronunciem construtivamente e que não façam disto uma polémica de paixões.
“Público” — Toda esta pressão tem como objectivo que o Ministério da Educação desista da aplicação da nova terminologia. E se a tutela recuar?
Inês Duarte — Perde-se uma oportunidade, mantém-se por mais tempo este estado de coisas, que, pelos vistos, satisfaz muitas pessoas, mas que não corresponde à avaliação que tem sido feita, nacional e internacionalmente, da qualidade das aprendizagens dos alunos.
in "Público" de 24 de Dezembro de 2006.