Controvérsias // O português do Brasil
Afinal, há mais semelhanças ainda!
O português oral no Brasil e em Portugal
«Acabo de me dar conta de mais uma semelhança...»
Observe estas três frases:
1- Tirava uma foto em cada lugar QUE ELE IA.
2- Há certas comidas QUE EU GOSTO MUITO.
3- Não havia um dia QUE FICÁVAMOS BEM.
Provavelmente você percebeu que "falta" alguma coisa, certo?
Se sim ou se não, fique sabendo: de acordo com a norma-padrão da língua portuguesa, deveria haver uma preposição antes de cada pronome relativo, a saber:
– Tirava uma foto em cada lugar A que ele ia.
– Há certas comidas DE que eu gosto muito.
– Não havia um dia EM que ficávamos bem.
Mas uma coisa é a maneira como falamos... e outra é o modo como escrevemos. Nem sempre coincidem. Na modalidade falada (!) da língua portuguesa, é muito comum a elipse da preposição antes do pronome relativo — inclusive em contextos comunicativos um pouco mais formais.
– Ok, Pestana... Mas por que você está falando disso?
Então... Pesquisando as diferenças morfossintáticas entre a variedade brasileira e a variedade europeia da língua portuguesa, em sua modalidade falada (!), acabo de me dar conta de mais uma semelhança – apesar de achar que era uma diferença, fundamentada na leitura que fiz da Gramática Houaiss da Língua Portuguesa (2021 [2008]), do linguista-gramático José Carlos de Azeredo.
Lá nas últimas páginas de sua obra, há um apêndice intitulado "Português brasileiro: um tema e alguma polêmica", que também trata das particularidades do português brasileiro em comparação com o português lusitano.
Indica o autor que as formas 1, 2 e 3 não fazem parte do português lusitano; é uma particularidade do português brasileiro falado, ou seja, a omissão da preposição antes do pronome relativo reflete uma estrutura morfossintática «tipicamente brasileira».
No entanto, fiquei com a pulga atrás da orelha. E, quanto mais cavoucamos, mais encontramos coisas.
Foi aí que decidi abrir o volume II da Gramática do Português (2013), do linguista-gramático português Eduardo Buzaglo Paiva Raposo et al.
Nas páginas 2128 e 2129, encontrei vários exemplos da modalidade falada lusitana iguais às frases 1, 2 e 3 – ou seja, inclusive em registro formal do português europeu, encontra-se o mesmo que no português brasileiro, aquilo que tecnicamente se chama «orações relativas com estratégia cortadora», pois (em termos simples) se "corta" a preposição antes do pronome relativo.
Resumo da ópera: em ambas as variedades do português, em sua modalidade oral, a preposição exigida (não raro) fica omissa antes do pronome relativo.
P.S.: Torço para esse texto chegar até o professor Azeredo, a fim de a próxima edição ser atualizada nesta parte.
Apontamento publicado no mural do autor no Facebook em 23/12/2025 e aqui transcrito com a devida vénia.
