Já aqui se têm comentado trocas de palavras ou de partes de expressões idiomáticas, em programas de televisão, geralmente em direto, sem que o lapso configure erro enraizado. Aliás, é bem provável que confusões feitas sob a pressão do momento sejam corrigidas pelos seus autores em ambiente mais sereno, em paz com os homens e com as forças da Natureza.
Mas de 18 para 19 de março de 2025, na CNN, calhou os mais despertos detetarem dois equívocos curiosos que não é possível reproduzir em vídeo para este espaço, pelo que se recorre às imagens que fixaram os cenários dos deslizes. Ou seja, o que se comenta foi ouvido e retido na memória, e as imagens evocam o clima em que se vai vivendo1.
A primeira confusão envolve um comentário à quebra do cessar-fogo na Faixa de Gaza e à triste notícia da morte de mais de 400 pessoas após novos ataques. Diz o comentador que «estava escrito nas pedras», dando à tragédia o fatalismo que (supostamente) lhe cabe. O pretendido era muito plausivelmente a expressão «estar escrito nas estrelas», intenção gorada provavelmente por confusão com as duas pedras da Tábuas da Lei, com os mandamentos que Moisés recebeu do Alto2. De uma maneira ou de outra, perpassa na substituição a imagem de um céu que tudo pode e até mata.
O segundo caso já começa a entrar no domínio dos usos erróneos. Conforme documenta a imagem, o motivo era a depressão Martinho, com o estado do tempo a piorar a sério, e, como a esperança é a última vítima, falou-se de uma «melhora» no lugar de «melhoria». O tópico, também antes abordado no Ciberdúvidas, é tratado assim: do estado do céu, esperam-se melhorias e, do estado deste corpo transiente, fala-se geralmente de melhoras. Daí, perante achaques e dores crónicas, se desejarem «as melhoras», que a melhoria é, mais uma vez, com o céu.
1 Agradeço a Paulo J. S. Barata as imagens e a chamada de atenção para os lapsos aqui comentados.
2 Acontecimento que se regista nos livros bíblicos do Êxodo e no Deuteronómio: «O SENHOR disse a Moisés: "Talha duas tábuas de pedra, iguais às primeiras e escreverei nelas as palavras que se encontravam nas primeiras tábuas, que tu quebraste"» (Êxodo, 34-1, Bíblia Sagrada, Difusora Bíblica/Franciscanos Capuchinhos, 2008) «O Senhor entregou-me as duas tábuas de pedra escritas com o seu dedo divino» (Deuteronómio, 9-10, ibidem). Não confundir com a lei romana das Doze Tábuas. Refira-se ainda uma expressão cujo valor metafórico se opõe ao da imagem de permanência da pedra e da lei inscrita: «escrever na areia», que significa «fazer coisas pouco duradouras» (dicionário da Academia das Ciências de Lisboa).