À troca de palavras no discurso dá-se muitas vezes o nome de lapsus linguae, se a confusão ocorrer espontaneamente na fala, e lapsus calami, se o erro for escrito e acidental (cf. Dicionário Houaiss). A este tipo de equívocos de linguagem, quando involuntários, atribui-se um significado profundo na perspetiva psicanalítica, como manifestações da vida psíquica mais profunda e inconsciente. A este respeito, Sigmund Freud (1856-1939) dedicou particular atenção aos lapsos linguísticos, por exemplo, no conhecido estudo A Psicopatologia da Vida Quotidiana (1901). Pensando em certas pulsões individuais e coletivas que andam à solta na comunicação mediática em Portugal, justifica-se trazer aqui dois segmentos de noticiários do canal NOW, nos quais – vamos acreditar que por momentânea confusão – se trocam umas palavras por outras, talvez manifestando certas inquietações latentes.
O primeiro segmento (07/02/2025; vídeo 1, mais abaixo) vem da notícia de um caso do foro criminal com repercussão política, quando se ouve dizer o seguinte: «um caso de abuso de menor, "perpetuado" por um deputado...» Obviamente que não se trata de perpetuar, «eternizar», mas, sim, de perpetrar, que basicamente significa «praticar ato moralmente inaceitável» (cf. Dicionário Houaiss). A confusão (involuntária?) com perpetuado indicia, numa ambiguidade própria do funcionamento inconsciente, quer o desejo de condenação eterna do perpetrador quer a visão do abuso como a inscrição de um mal sem remédio na vítima.
Dando conta da investigação sobre a queda de um avião em Washington em 29/01/2025, o segundo segmento (09/02/2025; vídeo 2, mais abaixo) faz de «um pedaço da fuselagem» (da aeronave) um «pedaço da "fusilagem"», forma sem registo nem existência potencial, apesar da homofonia parcial com fuzil, fuzilar, fuzilaria e fuzilamento, família de palavras a que deu origem fusil, um empréstimo proveniente do francês, conforme o comentário etimológico do Dicionário Houaiss. O tropeção tem o seu quê de risível, mas manifestará igualmente o sentimento de absurdo que geram acidentes como este, talvez só emocionalmente aceitáveis como ato de fuzilamento intencional. Aliás, o atual presidente dos EUA, Donald Trump, foi lesto a encontrar culpados, quando atribuiu a fatalidade a certos trabalhadores na segurança aérea e aos programas de diversidade e inclusão que permitiram o seu recrutamento.
Os tempos andam sombrios, e os erros ou lapsos linguísticos não fazem por menos.
Vídeo 1
Vídeo 2