Ouvi em diversas emissões televisivas a frase do ministro das Finanças português, Vítor Gaspar, que a seguir transcrevo:
«[…] os cortes nas remunerações decididos de novo no Orçamento do Estado para 2012 aplicam-se universalmente, sem exceção e sem adaptação, a todo o universo sobre dependência do Estado» (vídeo).
Ainda tive dúvidas sobre se teria ouvido mal, mas à força de tanto a ouvir e atenta a forma pausada e quase soletrada do ministro, eliminei qualquer resquício delas. É mesmo sobre! Ora, o que devia ter sido dito é que os cortes nas remunerações se aplicavam «[…] a todo o universo sob dependência do Estado», ou seja, debaixo da alçada do Estado, debaixo do poder do Estado, subordinado ao Estado.
É uma confusão recorrente entre duas preposições antónimas, cujos danos, neste caso, são, apesar de tudo, menores, porque o Estado se encontra no topo da pirâmide, mas que poderia inclusive alterar por completo o sentido da frase. Basta imaginarmos as frases: «O banco está sob a mesa» ou «O banco está sobre a mesa» para se perceber a mossa que este erro pode fazer. É que sob significa «debaixo de» (do latim sub), e sobre significa «por cima de» (do latim super). Basta pensarmos depois nos usos mais correntes de sub- como prefixo ou elemento de composição (em palavras como, por exemplo, subaquático, subterrâneo, subsolo, subalterno, subjugar, submeter, submergir) e de sobre- (em palavras como, por exemplo, sobreloja, sobrecapa, sobreabundância, sobrenatural ou sobretaxa) para eliminar quaisquer dúvidas de utilização das preposições sob e sobre.