Decorre no Brasil a campanha para as eleições municipais a ter lugar em 6 de outubro de 2024, e na cobertura noticiosa dos debates e outros eventos para a eleição do prefeito de São Paulo, várias são as palavras que intrigam quem as lê em Portugal. Avulta, por exemplo, o caso de lacração, vocábulo que figura no título da capa da revista Veja em 23/08/2024: "A política da lacração".
A pessoa retratada nessa mesma capa é Pablo Marçal, coach (treinador, orientador pessoal) e influencer (influenciador) que as sondagens indicam como um dos favoritos nas eleições paulistanas. O candidato surge em várias imagens num gesto que lhe é característico e o populariza: três dedos da mão para baixo, a desenhar o m do apelido ou, como se diz no Brasil, sobrenome; já agora, registe-se que o «Faz o M» é, ao que consta, gesto ilegitimamente apropriado por Marçal (cf. "Ex-PM acusa Marçal de copiar o 'Faz o M' e pede registro da marca", Globo, 30/08/2024). Ao gesto e ao alegado ilícito, soma-se o estilo oratório de Marçal, que não será só dele, pautado pela interrupção e pelo insulto dos adversários em debates públicos (ver artigo muito crítico da correspondente no Brasil do jornal galego Nós Diário, 11/09/2024).
Mas o que é, afinal, lacração, quando ocorre em alusão a uma discussão, a um debate ou a uma situação de conflito declarado? É a ação de lacrar, verbo usado em aceções características do Brasil (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa), as quais podem resumir-se a «ser categórico, sem admitir réplica ou contraditório», com o seu quê de ambíguo, porque calar os adversários tanto pode ser valorizado («ficou sem resposta», talvez porque ficou sem argumentos) como visto negativamente («foi impedido de falar», apesar de ter bons argumentos). A terceira pessoa do pretérito perfeito do indicativo de lacrar, lacrou, é, de resto, bastante popular como interjeição recorrente nos comentários acalorados que pululam nas redes sociais. Como adverte Aldo Bizzocchi ("Lacrou!", Diário de um Linguista, 14/06/2021), num comentário a lacrou e lacração, «[...] se você é do tipo que gosta de lacrar, cuidado: pensando ser um exímio debatedor, pode ser na verdade apenas um idiota passando recibo de sua estupidez.»
O tema é também motivo de contextualização e reflexão por parte de Alexandre Linck Vargas, professor da Universidade do Sul de Santa Catarina, que em 21/10/2021 dedicou um episódio do seu canal Quadrinhos na Sarjeta ao termo lacração. Assinala este académico e youtuber (comunicador do Youtube) que quem recusa o diálogo ou o debate é um lacrador ou uma lacradora; e, atendendo ao estilo curto e ofensivo de vários dos seus comentadores, sem darem hipótese de, em diálogo, exercerem racionalmente a análise e a crítica de ideias, a rede social X (ex-Twitter), de Elon Musk, é referida como lacroesfera, sugestiva amálgama lexical (cf. blogosfera) . Aqui fica o áudio: