« (...) A fusão [Instituto Camões e MNE] gerou forte contestação das ONG portuguesas, para quem "a Cooperação não pode ser subordinada à diplomacia linguística e cultural", visto que, "só por si, a língua portuguesa não é fator de luta contra a pobreza, nem contribui para o desenvolvimento". (...)»
O Instituto Camões foi criado em 1992 (Decreto-Lei n.º 135), destinado à «promoção e fomento do ensino e difusão da língua e cultura portuguesas, tanto no âmbito das instituições de ensino como noutras instâncias vocacionadas para o diálogo intercultural, para a expansão e defesa do idioma português e para a valorização da presença portuguesa no mundo» (art.º 3.º, 1); ficou sob tutela do Ministério da Educação, que teria a cooperação das instâncias governamentais de negócios estrangeiros e cultura.
O IPAD (Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento) foi criado em 2003 (Decreto-Lei n.º 5), tendo como fins (Art.º 2.º, 1, do Anexo) «a supervisão, a direção e a coordenação da política de cooperação e da ajuda pública ao desenvolvimento, com vista ao fortalecimento das relações externas de Portugal e à promoção do desenvolvimento económico, social e cultural dos países recetores de ajuda pública, em especial os países de língua oficial portuguesa, bem como da melhoria das condições de vida das suas populações», além de planear, programar e acompanhar a execução e avaliação «dos programas e projetos de cooperação e de ajuda pública ao desenvolvimento realizados pelos demais organismos do Estado e por outras entidades públicas»; ficou sob a tutela do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE).
Tendo em conta objetivos e tutelas respetivos, fácil é entender que o Camões estava destinado a ser "o pobrezinho" e o IPAD, o "mano rico" (v. a quantidade e valores dos projetos financiados por um e outro até 2012).
Em 2012, o governo «aprova a orgânica do Camões - Instituto da Cooperação e da Língua, I. P.» (Decreto-Lei n.º 21), com a «missão [de] propor e executar a política de cooperação portuguesa e coordenar as atividades de cooperação desenvolvidas por outras entidades públicas (...) e ainda propor e executar a política de ensino e divulgação da língua e cultura portuguesas no estrangeiro, assegurar a presença de leitores de português nas universidades estrangeiras e gerir a rede de ensino de português no estrangeiro a nível básico e secundário»; ficou sob a tutela exclusiva do MNE. Esta fusão gerou forte contestação das ONG portuguesas, para quem «a Cooperação não pode ser subordinada à diplomacia linguística e cultural», visto que, «só por si, a língua portuguesa não é fator de luta contra a pobreza, nem contribui para o desenvolvimento.»
O Decreto-Lei n.º 48/2018 alterou a orgânica do Camões e, no domínio da cooperação, procedeu ao «reforço da capacidade de gestão [que] assume particular relevância nos projetos que são objeto de financiamento europeu ou multilateral e que concorrem para os objetivos da política externa de cooperação para o desenvolvimento, especialmente com os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa e Timor-Leste».
O último presidente do Camões I.P., embaixador João Ribeiro de Almeida, empossado em novembro de 2020, apresentou na semana passada credenciais como embaixador em Nova Déli; o concurso da CRESAP para recrutar o seu substituto decorreu em fevereiro p.p. Encerrou agora também o concurso para a função de vogal da direção encarregado da gestão língua, também vacante.
Dado o desaparecimento em combate da ação do Camões em relação à língua, por contraste com o seu grande dinamismo na cooperação, conclui-se que as ONG não tinham razão em temer o futuro. A quem trabalha com a língua portuguesa, resta desejar melhores dias para a sua gestão, que tão maltratada anda, e felicitar o novo embaixador de Portugal na Índia.
Artigo da linguista e professora universitária Margarita Correia publicado no dia 20 de março de 2023 no Diário de Notícias.