« (...) Mas, porque informação e conhecimento estão longe de ser sinónimos, é fundamental que qualquer professor de línguas esteja consciente deste mosaico de possibilidades, para adquirir e construir ferramentas que lhe permitam adequar a sua prática docente ao público que em cada momento enfrenta (...).»
O conhecimento que temos das diferentes línguas que cada um fala – a maioria dos habitantes deste planeta fala mais do que uma língua, ainda que com funções e níveis de proficiência diversos – pode ser resultado de um de dois processos: o de aquisição (que ocorre natural e inconscientemente, por sermos expostos a uma língua) ou o de aprendizagem (que ocorre conscientemente, por meio de um ensino mais ou menos formal). A(s) língua(s) materna(s) ou primeira(s) língua(s) é(são) adquirida(s) na infância, ao passo que qualquer língua adicional (i.e. diferente da primeira) é adquirida e/ou aprendida em diversas etapas da vida. Até que ponto uma língua adicional é adquirida ou aprendida depende das circunstâncias em que o processo ocorre – características do input linguístico (i.e. quantidade e qualidade), mas também de muitos outros fatores como a distância entre as línguas (a falada e a aprendida), a história linguística (e escolar) do indivíduo, a sua motivação e necessidade(s).
Do mesmo modo, as relações que o indivíduo e a sociedade estabelecem com as línguas nela faladas configuram uma miríade de contextos e situações de aquisição e/ou aprendizagem difícil de categorizar e denominar. A cada termo – língua materna, primeira, não-materna, adicional, segunda (terceira...), estrangeira, de herança, de acolhimento – corresponde ou deveria corresponder um conceito claro, inequívoco, que permitisse enquadrar todas as instâncias possíveis (perfis linguísticos, situações). Porém, a realidade é muito mais complexa e fluida do que qualquer terminologia possa deixar transparecer e o mundo atual – cada vez mais diverso e cambiante, muito por força dos diferentes tipos de migração – tem incrementado a necessidade de desenvolver nos cidadãos aquilo que o Conselho da Europa (Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas) denominou, em 2001, a competência plurilingue e pluricultural, i.e. a capacidade para utilizar as línguas para comunicar na interação cultural, na qual o indivíduo, na sua qualidade de ator social, possui proficiência em várias línguas, em diferentes níveis, bem como experiência de várias culturas.
Quando há 42 anos comecei a dar aulas de Português e de Francês numa escola pública de Lisboa (ainda sem habilitação própria; nem formação específica para o ensino), não tinha muita consciência de que o Português que ensinava era a língua materna dos meus alunos e o Francês era uma língua estrangeira, embora esse conhecimento determinasse a qualidade do meu desempenho. Não creio, de resto, que muitos dos professores da época tivessem a consciência clara sobre os conceitos e contextos de ensino e aprendizagem de línguas, não apenas porque a formação em linguística era escassa em Portugal, mas também porque a realidade, nacional e mundial, mudou drasticamente e as disciplinadas relacionadas (e.g. Didática das Línguas, Sociolinguística) se desenvolveram muito, especialmente ao longo destas quatro décadas.
Hoje, a formação inicial e profissional dos professores não tem comparação com o que descrevi, é melhor, além de que a informação e inúmeros materiais orais e escritos (input), produzidos nas línguas que se ensina, se encontram à distância de um clique. Mas, porque informação e conhecimento estão longe de ser sinónimos, é fundamental que qualquer professor de línguas esteja consciente deste mosaico de possibilidades, para adquirir e construir ferramentas que lhe permitam adequar a sua prática docente ao público que em cada momento enfrenta.
Artigo da autoria da linguista e professora universitária portuguesa Margarita Correia publicado no Diário de Notícias, em 6 de fevereiro de 2023.