« (...) "Nada vi" ou "Não vi nada", está bem; *"Vi nada", não! (...)»
Pela alminha de quem vos seja mais querido, não escrevam frases negativas sem negação antes do verbo!
Surgiu agora uma moda, talvez inspirada na estrutura das línguas germânicas (inglês?), de não pôr negativa antes do verbo quando há um elemento negativo depois, justificando-se essa prática com a pretensa regra «lógica» de que uma negativa de uma negativa é uma positiva. Assim, por exemplo, dever-se-ia escrever
«Eu vi nada»
porque, se se escrever
«Eu não vi nada»
está-se a dizer que se viu alguma coisa. Francamente...
Em português – e nas outras línguas latinas que conheço, exceto em francês oral, por causa da supressão do advérbio ne [«não»] na fala – a regra é que, numa frase negativa tem de haver sempre uma negativa antes do verbo. «Nada vi» ou «Não vi nada», está bem; *«Vi nada», não! E é igual em espanhol, «No he visto nada», em italiano, «Non ho visto niente», e em francês escrito, «Je n’ai rien vu». Nas línguas latinas, não há nenhuma distinção do tipo da que existe, por exemplo, entre nothing e anything em inglês: numa frase negativa, nada é ambas as coisas.
Procurem lá onde quiserem, nos textos todos da língua desde sempre, em todos os escritores que considerem modelos de bem escrever, a ver se encontram abonações dessa estranha estrutura que agora se começa a ver por aí.
«Vi nada» é uma frase poética que diz que se alcançou a mais alta e perfeita iluminação. Ou então é um erro de português.
Apontamento publicado no blogue Travessa do Fala-Só em 7 de abril de 2022, da autoria.de Vítor Santos Lingaard.