O que distingue uma língua de um dialecto é sobretudo o diferente estatuto sociopolítico. Costumava-se dizer que uma língua (oficial) era a que tinha forças armadas, partindo do pressuposto que é soberano o Estado que a adopta. No entanto, nem sempre é assim, e na Europa há já experiências de países com línguas co-oficiais ou de outros que tinham dialectos pertencentes a diferentes sistemas históricos que adquiriram estatuto oficial. É este o caso da Espanha, que, para além do castelhano como língua oficial, tem o catalão, o basco e o galego como co-oficiais na Catalunha (também das ilhas Baleares; no País Valenciano com muita polémica), no País Basco (com Navarra) e na Galiza.
Julgo que a sua primeira pergunta parte da ideia de que o mirandês é um dialecto do português, o que não é verdade. O mirandês é um dialecto asturo-leonês em território português; historicamente, forma, portanto, parte do grupo de dialectos que subsistem no Norte de Espanha, designadamente, nas Astúrias e em Leão. Daí que provavelmente o mirandês seja mais difícil de entender que os dialectos brasileiro e alentejano, apesar do intenso contacto que aquela língua manteve com os dialectos portugueses de Trás-os-Montes.
Em segundo lugar, é verdade que o catalão já teve praticamente o estatuto de dialecto entre os séculos XVII e XVIII. Contudo, a “Renaixença”, ou seja, o renascimento catalão no século XIX (a coincidir com o Romantismo e a Revolução Industrial), guindou esse “dialecto” ao estatuto de língua.
Finalmente, o galego, que historicamente faz parte do sistema galego-português, encontrou-se durante muito tempo em estado dialectal em Espanha. Foi também no século XIX, com o Rexurdimento (no fundo, a construção da consciência nacional e linguística galega) que os dialectos galegos passaram por um processo que conduziu à actual norma galega e à sua afirmação como língua de cultura e da administração.
Concluindo, o termo dialecto pode usar-se para designar a filiação num sistema linguístico [p. ex., «o micaelense é um dialecto do português europeu], mas é hoje sobretudo usado para definir um estatuto sociocultural e político distinto do que é conferido a uma língua.