Tenho feito uma estatística: todos os colunistas «famosos» já escreveram (ou vão escrever) sobre a TLEBS! Na minha lista faltam-me ainda dois, mas tenho a certeza de que não tardam em produzir artigos de fundo sobre tamanha «calamidade» nacional! Curiosamente, poucos (para ser bondosa) sabem do que se trata e poucos (continuo a ser bondosa) pensaram ou souberam alguma vez que existia uma nomenclatura gramatical que teoricamente deveria ser ensinada nas escolas. Possivelmente (quase de certeza) poderia até afirmar que nunca pensaram no assunto e também nunca se perguntaram porque é que os alunos aprendiam gramática nas línguas estrangeiras em que estudavam (estudam) «enormidades» como modalidade em inglês, por exemplo, tempos compostos em francês e dificilmente sabiam (ou sabem) – em português – reconhecer e designar o pretérito perfeito composto ou diferenciar valores de frases com verbos como dever ou poder, por exemplo...
Dir-me-ão que isso não é grave. Claro que não! Tal como não é grave que um aluno deixe o Ensino Básico e chegue ao Ensino Secundário sem saber a diferença entre um triângulo escaleno e um triângulo isósceles, por exemplo, ou a razão pela qual 8x7 são 56! (para o caso de saber que 8x7 são 56!).
Se os doutos «fazedores de opinião» se derem ao trabalho de analisar os programas nacionais de qualquer disciplina encontrarão «enormidades» terminológicas em qualquer área do saber. Mas por aí parece ser tudo normal... no ensino da gramática é que deverá ser tudo igual como sempre foi, i.e., inexistente, suave e sem qualquer inovação terminológica...
Quando o Miguel Sousa Tavares estudou deve ter aprendido – de cor – as classes taxionómicas em Zoologia. É dessa altura que ficou certamente a saber tudo sobre o cão: ser vivo, vertebrado, mamífero, carnívoro, da família dos canídeos. E sobre tudo isto deve ter feito testes e exames. E curiosamente deve ter obtido aproveitamento! Por muito estranho que possa parecer, também as «palavras» (tal como os cães) podem ser integradas em classes. Isso é o que acontece aos «artigos» que podem fazer parte de uma classe mais abrangente – a classe dos determinantes. Para quem aprendeu as classes taxionómicas da Zoologia, não me parece transcendente que possa compreender as classes de palavras!
Voltando ao cão do MST: quando a palavra «cão» aparece num texto – como no texto de MST – eu posso (enquanto leitora) ficar a saber variadíssimas coisas: MST tem um cão (e não dois) com determinadas características. Se eu quiser estudar o texto de MST poderei ver quais as marcas linguísticas usadas pelo autor para descrever o cão e para dizer «enormidades» sobre a própria palavra «cão». É aí que preciso de reconhecer a necessidade de ter «palavras» que me permitam explicar que formas linguísticas são essas, como se designam, como se classificam... mas essa classificação deve ser estável (e ser estável não é ser imutável). Em todas as áreas do saber os conceitos podem ser redefinidos, mas, parece que, para se ensinar português, não deve de todo existir semelhante veleidade!
Quando estudo (menciono) a palavra «cão» estou a descrevê-la num determinado contexto, tendo em conta as suas propriedades gramaticais, os valores que ganha quando se relaciona com outras. É esta área da menção que faz parte da explicitação gramatical e para isso é preciso uma terminologia para dar o seu ao seu dono.
Se também tivesse uma coluna regular num jornal, quem sabe se um dia não falaria também do meu cão?! Desta forma já eram dois artigos sobre dois cães. Talvez isso ajudasse o MST a compreender o que são «nomes contáveis»!
Artigo publicado no caderno "Actual" do semanário "Expresso" de 16 Dezembro 2006