«[...] [O] escritor Joaquim Dias Cordeiro da Matta [já] reivindicava uma literatura angolana autónoma, escrita em línguas nacionais e em língua portuguesa.»
Se em termos relativos compararmos os níveis de produção científica de alguns países africanos de língua portuguesa nos domínios dos estudos linguísticos e estudos literários, verificamos que os indicadores bibliométricos [de Angola] traduzem bem o perfil deficitário e o lugar marginal reservado aos estudos linguísticos e estudos literários.
Já em Moçambique, as comunidades científicas e académicas têm um desempenho relativamente superior, no que diz respeito à investigação linguística, apesar de o curso de Licenciatura em Ensino de Português na Universidade Eduardo Mondlane ter sido introduzido apenas em 1987.
Os resultados das pesquisas realizadas ao nível de Mestrado e Doutoramento são partilhados com as comunidades de outros países. E, por isso, há muito tempo deram lugar ao reconhecimento de uma variedade moçambicana do português. Os avanços da investigação linguística em Moçambique estão na origem da evolução do debate acerca do Acordo Ortográfico cujo processo de ratificação configura um outro momento da decisão política ancorada aos fundamentos da ciência linguística.
Continuo a pensar que a discussão da problemática convencional do Acordo Ortográfico levanta, em primeiro lugar, questões relevantes de ordem ética. Ao contrário dos que invocam o fundamento da especificidade das línguas bantu pura e simplesmente, uma boa argumentação que sustente a recusa da ratificação do Acordo Ortográfico implica a observância de princípios éticos aplicáveis aos estudos linguísticos e literários que traduzam um consenso esclarecido de todos os detentores de uma competência técnica e científica relevante.
Hoje, em Angola, os argumentos circunstancialmente dominantes sobre o Acordo Ortográfico não acrescentam razões que assegurem a consistência devida para serem legítimos no debate sobre a variedade angolana do português.
Pode dizer-se que, recorrendo à história, é com alguma urgência recomendável reiterar o carácter defensável da soberania epistemológica, tal como já fazia o escritor Joaquim Dias Cordeiro da Matta, quando reivindicava uma literatura angolana autónoma, escrita em línguas nacionais e em língua portuguesa, ainda no século XIX. Sublinho a importância do conhecimento histórico.
[Ler também os textos associados: "O problema da variedade angolana do português" e "Linguística da literatura angolana".]
Artigo publicado no Jornal de Angola no dia 23 de junho de 2020. Escrito de acordo com a norma ortográfica de 1945.