Há dias, a propósito da horrífica morte de Valentina, ouvi na RTP3, o secretário-geral da Instituto de Apoio à Criança, o Sr. Manuel Coutinho, dizer que, perante indícios ou queixas de maus-tratos a crianças, não se deve «fazer ouvidos de marcador». Querendo mesmo «fazer ouvidos de marcador», peguei no comando da TV e voltei a ouvir, não fora ter-me enganado. Mas, não, a expressão foi mesmo essa.
Ora, como é sabido, a expressão correcta é «fazer ouvidos de mercador», isto é, «fazer orelhas moucas». Aliás, esta confusão entre marcador e mercador está muito bem explicada no Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, que vale a pena consultar, a fim de não se amesquinhar a nossa língua.
No entanto, e perante o contexto em que o lapsus linguae aconteceu, deve mesmo fazer-se «ouvidos de "marcador"», ou seja, deve dar-se toda a atenção a qualquer indício, ou queixa, relacionado com maus-tratos a crianças (ou a outros), no sentido de evitar a tragédia.
No último Cá por casa com Herman José, um dos convidados foi o sobrinho da cantora Dina, homenageada neste programa. Às tantas, e em relação a um costume da tia, o sobrinho disse que foi um hábito que ela “manteu” até ao fim da sua vida. Não sei o que me aconteceu, o meu coração estremeceu e lá peguei, de novo, no comando da TV para voltar a ouvir. E, sim, disse “manteu”. Cheguei, até, a duvidar da minha formação em Estudos Portugueses, tal é o aprumo com que se deturpa a língua. Não é manteve? Fui consultar as gramáticas e o Ciberdúvidas, não fosse «erros meus, má fortuna…» dizer manteve. Mas é claro que se diz manteve. O verbo manter conjuga-se como ter («ela teve», pretérito perfeito do indicativo). Tal como os verbos conter, reter, deter, obter, entreter, etc.
Perante estas “pérolas” da língua portuguesa, alguém poderia dizer: «ela entreteve-se a pescar erros do português». Porém, nem é necessário pescá-los. Eles saltam do ecrã, de cada vez que ligamos a televisão.