− Vamos conjugar o verbo verdade…
− «Eu engano», «Tu deves dizer a verdade», «Ele tem de dizer a verdade» …
− Isso não está bem! Estás a conjugar tudo mal! Eu estou aqui para aprender e tu estás a confundir-me!
− Sabes porquê? Verdade não é um verbo.
− Ah, já percebi! Então, e o predicado «ser honesto», dá para flexionar?
− Claro! «Tu és honesto», «Ele é obrigatoriamente honesto».
− Mas, e a primeira pessoa do singular?
− Esta flexão é defetiva. Quando o verbo ser se junta ao adjetivo honesto, não flexiona na primeira pessoa.
− Parece que as palavras que denotam valores positivos têm todas muitos problemas.
− É a erosão linguística. Algumas palavras de tanto uso perderam-se ou gastaram-se. Aconteceu o mesmo a alguns princípios e valores.
− Então, e as palavras com uma semântica mais negativa? É possível, por exemplo, conjugar o verbo mentir?
− Obviamente. «Eu minto e tu não dás por nada», «Tu mentes e eu denuncio», «Ele mente e nada acontece».
− Mas, não estás a conjugar o verbo. Estás a construir frases!
− É mesmo assim. São as chamadas «regências obrigatórias». Quando conjugas o verbo, o resto é logo ativado.
− Estou a ver. Estes processos linguísticos parecem-me pouco éticos…
− Olha, a palavra ética é também muito curiosa. Ultimamente, dedicou-se à estilística e, associada à primeira pessoa, só aparece em construções antitéticas, do género «Eu não sou ético, mas finjo que sou».
− Percebo. E isso não acontece nas outras pessoas?
− Não, só na primeira. Se a frase estiver na segunda pessoa, gera-se preferencialmente uma coordenada conclusiva: «Tu não és ético, logo eu acuso».
− Parece uma gramática «à la carte»…
− Não, porque esta gramática não está acessível a qualquer um. Está publicada no Manual do Bom Poderoso e é uma obra que só é disponibilizada a quem chega ao poder. É muito útil para todos, mas os inexperientes e os corruptos são os que mais a consultam.
− Mas tu não estás no poder! Como sabes tudo isto?
− Sou assessor!