Matrículas de carros - Diversidades - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
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Matrículas de carros
Matrículas de carros
Impostos internacionalmente em caracteres latinos

«[…] Deve ser estranho, no mínimo, ter de usar um alfabeto outro que não o seu – ou, em última análise, um alfabeto que não se conhece. […]»

 

Falei aqui há pouco tempo de o alfabeto latino ser o mais usado no mundo e porquê e de como, por causa disso, muitas vezes parece que se considera o alfabeto latino mais «normal». A questão das matrículas dos carros, que referi de passagem, é, este respeito, bastante curiosa. 

Convenção sobre Trânsito Rodoviário está em vigor desde Março de 1952. Esta convenção foi inicialmente assinada em Genebra por 20 países, em 1949, e foi posteriormente revista em Viena de Áustria em 1968 e, desde a sua primeira versão, ratificada por mais 83 países. É uma convenção claramente «latinista», se se pode dizer assim. O Anexo n.º 2, sobre «Número de matrícula dos automóveis e seus reboques em circulação internacional», diz no seu ponto 1: 

«O número de matrícula […] deve ser composto quer por numerais, quer por numerais e letras. Os numerais devem ser algarismos e as letras em caracteres latinos maiúsculos. Podem, no entanto, ser utilizados outros numerais ou caracteres, caso em que o número de matrícula deve ser repetido em algarismos e caracteres latinos maiúsculos.» 

 

Compreende-se que haja necessidade de standardização e compreende-se a escolha do alfabeto mais usado. Mas deve ser estranho, no mínimo, ter de usar um alfabeto outro que não o seu — ou, em última análise, um alfabeto que não se conhece. Bom, russos e búlgaros resolvem o problema de forma airosa: usam nas matrículas apenas as 12 letras do alfabeto cirílico que têm a mesma forma que letras do alfabeto latino, embora não representem forçosamente sons semelhantes: А, В, Е, К, М, Н, О, Р, С, Т, У e Х*.

Agora, em muitos países em que não se usa o alfabeto latino, as matrículas têm apenas caracteres latinos e não os caracteres locais mais a sua transcrição em caracteres latinos, como a convenção permite. Na Geórgia, por exemplo, nunca há caracteres georgianos. Agora, o que é que isto implica pra um georgiano que não tenha aprendidos línguas estrangeiras — ou que, quando muito, só tenha aprendido russo, como é o caso de muitos deles? A questão não é só ser obrigado a usar caracteres estrangeiros**, é também ter de usar caracteres desconhecidos. Não sei como resolvem este problema. Se calhar, quando compram um carro, decoram as letras da matrícula e a que sons elas correspondem. Mas imaginem uma conversa***: 

− რა არის თქვენი მანქანის სარეგისტრაციო ნომერი? (Qual é a matrícula do seu carro?) 

− ეე ოთხას სამოცდასამი ვვ (É, é, quatrocentos e setenta e três, vê, vê.) 

− და ამას როგორ წერ (E como é que isso se escreve?) 

E como farão para escrever no computador as matrículas, se não usam o nosso teclado? Têm de mudar de teclado (não o físico, entenda-se) e decorar no seu teclado que letras correspondem às do alfabeto latino que entram na matrícula do carro? Por exemplo, que EE-473-VV corresponde a ეე-473- ვვ… Deve ser assim. Ou haverá tendência para se usar cada vez mais teclados «internacionais» georgianos e latinos? Devia ter perguntado isto quando lá estive e não perguntei. Fica para a próxima vez. Ou talvez algum dos meus leitores me saiba responder. 

 

* Muitas destas letras representam sons diferentes nas várias línguas escritas com alfabeto latino, mas H nunca representa [n], nem P representa [r], nem Y representa [u], como acontece quando usadas num alfabeto cirílico. 

** O que também é uma questão interessante, em termos identitários: como reagiríamos nós se tivéssemos de usar matrículas com caracteres não latinos? 

*** A tradução para georgiano foi feita com Google Translator e pode estar incorreta, mas isso é irrelevante para o que aqui está em discussão.

Fonte

Texto da autoria do tradutor português Vítor Lindegaard, publicado no seu blogue Travessa do Fala-Só, com a data de 6 de julho de 2022. Escrito segundo a norma ortográfica de 1945.

Sobre o autor

Vítor Santos Lindgaard é tradutor e professor, residente na Dinamarca, autor dos blogues Moçambicanismos e Travessa do Fala-Só.