«(...) Quem geringonciou – leia-se «meteu os pés pelas mãos», na interpretação antiga – foi quem denunciou a geringonça como efémera. Esses arriscam-se a vê-la reeleita a palavra do ano (2017).»
O Henrique Monteiro já ontem publicou no Expresso uma douta viagem histórica pela geringonça – palavra que tem 475 anos entre nós. Remeto os coca-bichinhos para a tese. Tomo noto que ela, a geringonça, durou a vingar e só agora foi reconhecida como a palavra do ano (2016) pela Porto Editora, especialista do assunto, pois fazedora de dicionários que, grosso modo, têm lá dentro as palavras todas. E o essencial é isto: a geringonça entranha-se a custo. Dou o meu caso, que não é tão histórico, mas é honesto. Era 4 de outubro de 2015, um domingo, caíam os resultados eleitorais na tevê e eu, não vendo solução (nenhuma soma fazia maioria), disse-me: «Tou tramado.» A linguagem é um pouco arrevesada mas calha bem: diz José Pedro Machado, outro dos dicionários, que geringonça vem do francês jargon. E diz-me Le Petit Larousse que jargon é uma língua que se entende mal, um charabiá. Expressei-me mal, não entendi nada dos resultados e, confesso, fui deitar-me com eles atravessados. O facto é que durante a semana que se seguiu surgiu a "geringonça", palavra cunhada por Paulo Portas, como «coisa mal feita que se desfaz facilmente». Nessa altura, já eu não estava tramado, estava era surpreendido: «Olha, afinal, houve solução.» Que, pelos vistos, perdura. Quem geringonciou – leia-se «meteu os pés pelas mãos», na interpretação antiga – foi quem denunciou a geringonça como efémera. Esses arriscam-se a vê-la reeleita a palavra do ano (2017).
Crónica da autoria do jornalista português Ferreira Fernandes, transcrita, com a devidfa véniam do Diário de Notícias de 5 de janeiro de 2017.