Em Portugal, por esta altura, são habituais as discussões em torno do orçamento de Estado (OE). Normalmente, as páginas dos jornais e os espaços noticiosos dos canais de televisão são preenchidos por vocabulário complexo da área da economia e das finanças. É comum ouvirem-se as expressões «redução da divida pública», «regimes de isenção» ou «reforço das prestações sociais» e palavras como cativações, impostos e défice. Todavia, até ao momento, uma boa parte das discussões sobre este importante documento têm estado centradas não nas propostas que este apresenta, mas antes nos adjetivos que o líder do Partido Social Democrata (PSD), Luís Montenegro, utilizou para o caracterizar. Segundo Montenegro, o OE para o próximo ano é «pipi (…) e muito betinho». Serão estes termos apropriados para um tipo de discussão que se pretende séria? E já agora quais os seus significados e contextos de usos?
Do ponto de vista pragmático, as declarações do líder do PSD sobre o OE para 2024 foram surpreendentes para quem esperava seriedade na discussão do assunto, mas deliciosas para humoristas e amantes de umas boas gargalhadas. Numa perspetiva de análise do discurso, Montenegro, com estas declarações, terá infringido o princípio da cooperação, isto é, o princípio segundo o qual cada participante da conversação deve fazer com que a sua contribuição seja apropriada ao propósito desta e ao momento em que é feita. O não cumprimento deste princípio por Luís Montenegro, na ótica pragmática, deve-se ao facto de a sua contribuição para o assunto não estar de acordo com o requerido pela orientação da conversa, pois esperava-se que o léxico usado neste tipo de afirmações pertencesse a um campo semântico diferente dos adjetivos que acabaram por ser empregados na descrição de um documento vital para o funcionamento do país. No fundo, com esta sua intervenção, o líder do PSD não cumpre o princípio de cooperação ao nível daquilo que diz, mas supõe-se que esteja a cooperar ao nível daquilo que implicita. Note-se que implicitar algo não é o mesmo que dizer algo, uma vez que ao caracterizar o orçamento como pipi e betinho, poderá ficar implícito que o líder do PSD está a atribuir-lhe uma conotação pejorativa. Mas será que as palavras utilizadas por Montenegro pretendiam depreciar as propostas do orçamento de Estado ou haverá uma outra intenção escondida por detrás destas? Afinal, o que significam pipi e betinho e em que situações se utilizam?
A palavra pipi, quando usada como adjetivo significa, segundo o Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa, «que está muito aperaltado, muito enfarpelado», ou seja, é frequentemente utilizado para caraterizar alguém, do ponto de vista depreciativo, que se arranja com cuidado excessivo. Será que ao descrever o OE de 2024 como pipi, Montenegro estava a afirmar que apesar de o documento ter sido meticulosamente preparado, ultrapassa o que se considera razoável? O termo pipi pode também ser utilizado como nome e, neste caso, os seus significados podem ser variados. Quando assume a sua forma plural (pipis) designa o nome de um prato típico português feito com os miúdos do frango, que é aprazível para alguns e desagradável para outros. Será que, para Montenegro, o OE não estará à altura dos paladares mais exigentes?
Pipi é também o nome onomatopeico, utilizado comummente para chamar as galinhas quando se lhes quer dar de comer. Espera-se que o líder do PSD não esteja a tentar atrair para si o OE com recurso a um chamamento insólito, até porque orçamentos e galinhas são capazes de não funcionar muito bem na mesma capoeira. Todavia, quando se profere a palavra pipi, a conceptualização que uma grande parte da população portuguesa faz está relacionada com o órgão sexual, uma vez que segundo o dicionário em linha Infopédia, pipi pode ser usado para se referir, através de uma linguagem pouco cuidada e informal, os órgãos sexuais femininos ou masculinos. Por isso, não será de espantar que, enquanto os humoristas esfregavam as mãos de contentes e alguns portugueses esboçavam um sorriso ao ouvir as considerações do Montenegro, outros tenham franzido o sobrolho ou até mesmo deixado o queixo descair.
Quanto ao adjetivo betinho, de acordo com o Priberam, usa-se para se referir alguém «que é exageradamente bem-comportado» ou para apelidar um jovem «que exibe comportamento ou aparência considerado como pertencente a uma classe social elevada». Portanto, será que Luís Montenegro quis dizer que o orçamento para o próximo ano é elitista? Ou será antes que, por ser tão bem-comportado, não merece levar falta disciplinar? Fica a dúvida no ar.
O certo é que, se Paulo Portas detém os direitos do termo geringonça, utilizado para designar a coligação de esquerda que governou Portugal até 2021, Luís Montenegro fica agora com os direitos autorais do já conhecido «orçamento pipi».