« (...) O Brexit – escreve o presidente do do Grupo Português da Associação Internacional para a Proteção da Propriedade Intelectual, neste artigo, que transcrevemos do jornal Público" de 6/07/2016 – abre um conjunto alargado de incertezas ao projecto da Patente Europeia de efeito unitário e do seu Tribunal, devendo-se aproveitar o momento para melhor salvaguardar as empresas nacionais. (...)»
Enquanto se tentam calcular ainda todos os impactos e desafios, obstáculos e dificuldades causados pelo "Brexit", devemos estar também atentos às oportunidades. Sem oportunismos – e muito menos sem qualquer atitude de revanchismo – o Governo Português, tal como os outros Países Europeus já estão a fazer, tem de equacionar e encarar de frente e com pragmatismo as oportunidades que se abrem. Trazer para Portugal a Divisão, antes destinada a Londres, do Tribunal Unificado de Patentes, é claramente uma dessas oportunidades.
Em 2013, depois de muitas discussões e adiamentos, de vários falhanços e de alguma controvérsia, a Comissão Europeia conseguiu alcançar o objectivo de criar uma patente unitária e, consequentemente, entendeu-se que deveria ser criado um Tribunal centralizado para dirimir litígios nesta área específica da propriedade intelectual.
Acontece que, por motivos diversos que não importa aqui aprofundar, ficou então decidido que este Tribunal estaria sedeado não em um, não em dois, mas sim em três países!
França, Alemanha e Reino Unido foram as localizações escolhidas para localizar o Tribunal, dito unificado, mas na prática dividido, por áreas de actuação. Patentes relacionadas com matéria química serão julgadas na divisão de Londres, a área das patentes mecânicas será tratada na divisão de Munique, e as patentes da área da física, finalmente, serão despachadas para Paris… Dividir para reinar, portanto.
Ora, com a quase certa não adesão do Reino Unido ao sistema da patente unitária (que sentido faria tal adesão depois do referendo?) discute-se já entre governos e diplomatas quem vai receber a delegação do Tribunal que deveria ficar sediado em Londres. Uns defendem que fique em Bruxelas ou na Holanda, por serem no centro da Europa. Outros sugerem Espanha, assim tentando cativar os Espanhóis para um sistema de que, prudentemente, mas porventura sabiamente, se afastaram.
Ora, mas e porque não Portugal?
Este será um Tribunal que terá, na sua estrutura, dezenas de Juízes e centenas de funcionários, de diferentes nacionalidades. Da sua actividade resultarão, anualmente, milhares de audiências, com advogados, peritos, testemunhas, etc… Será um pólo de desenvolvimento muito relevante, seja para o imobiliário, hotelaria, restauração, transporte, entre muitas outras actividades. E várias cidades em Portugal poderiam receber esta instituição que estudos publicados revelaram iria beneficiar Londres com um impacto económico anual de 200 milhões de euros. Desde logo Santarém, cidade para onde esteve prevista, justamente, a localização do Tribunal português da Propriedade Intelectual…
Trazer a localização do Tribunal para Portugal seria apostar na capacidade do sector universitário de responder às oportunidades que se colocariam, reforçando o lugar de Portugal no mapa da inovação e do conhecimento a nível europeu. De forma sólida e futura e não apenas efémera.
Compete ao Governo [português], aos Ministério da Justiça, Negócios Estrangeiros e Economia, à nossa diplomacia, à própria AICEP, trabalhar como outros já estão a fazer. Seria importante sensibilizar para este tema o Comissário Europeu da Investigação, Ciência e Inovação, o português Carlos Moedas. Porque se este é o momento de repensar, reorientar e, porventura, reforçar, vários projectos europeus, devemos perceber que, ao contrário do que tem acontecido, não se pode continuar a discutir tudo e no final ganharem sempre os mesmos.
O Brexit abre um conjunto alargado de incertezas ao projecto da Patente Europeia de efeito unitário e do seu Tribunal, devendo-se aproveitar o momento para melhor salvaguardar as empresas nacionais. Esta é uma oportunidade de repensar o sistema que, tal como está, não beneficia o tecido empresarial português e aumentará o fosso, na área da inovação tecnológica, entre os Países mais desenvolvidos e os restantes.
Para que não nos fiquemos apenas a lamentar as dificuldades. Esta é uma oportunidade concreta. Vamos agarrá-la
Cf. O que vai acontecer ao inglês na União Europeia depois do Brexit?
Jornal "Público" de 6/07/2016, escrito segundo a norma anterior ao Acordo Ortográfico.