Em apoio do comentário em que contesta o uso do termo gramatical «predicativo do sujeito» para designar o constituinte que forma predicado com um verbo copulativo, o consulente Virgílio Dias enviou o estudo que a seguir se apresenta (manteve-se a numeração original). Toda a controvérsia aqui.
222 — Predicado é aquilo que se diz a respeito do sujeito.
Na frase:
João comprou um caderno.
— falamos de João.
— acerca do João diz-se: comprou um caderno
«João» é o sujeito
«Comprou um caderno» é o predicado
Sujeito é o tema ou assunto de que se fala; predicado é o que se diz acerca do sujeito. Podemos, por isso, dizer que a frase é, habitualmente, resultante, da presença dum sujeito e dum predicado.
Veremos que há frases sem sujeito; não as há sem predicado. |
Para falarmos de qualquer pessoa ou assunto (tema) fazemos a sua apresentação:
«O João...»
— seguidamente, recorremos ao predicado (rema):
Assim, a frase:
O João comprou um caderno.
... resulta da ocorrência de dois grupos sintácticos: o grupo do sujeito e o grupo do predicado.
Mas acontece muitas vezes que, na mesma frase, pretendemos dizer mais alguma coisa a respeito do sujeito. Como é que o conseguiremos? Recorrendo a uma predicação complementar: o predicativo do sujeito.
223 — Predicativo do sujeito: é uma informação complementar, opcional, realizada habitualmente por um atributo ou por um grupo de palavras cujo referido é o sujeito.
Assim, acerca de um tema — o sujeito — podemos predicar («falar, dar informação») por dois processos:
1. recorrendo ao predicado: «João comprou um caderno.»
2. cumulativamente, podemos recorrer a um atributo (predicativo do sujeito): «João, simpático, comprou um caderno.»
«Para longe, ondulam linhas brandas de colinas, salpicadas de casas brancas, donde sobem vozes anónimas de gente...» (V. Ferreira, Aparição, p.133)
Enquanto o predicado é indispensável para a formação da frase, o predicativo é informação importante, mas não necessária para a existência de frases gramaticais. Os predicativos são sempre opcionais. Logo, coexistem sempre com predicados.
1. O João comprou um caderno.
2. O João, simpático, comprou um caderno.
Na frase 1 só há uma predicação a respeito do João: «comprou um caderno.»
Na frase 2, além da predicação anterior, dizemos mais: que ele é simpático. E isso é uma segunda predicação.
Nota: Nós consideramos o inciso predicativo referido ao sujeito como predicativo do sujeito. |
224 — O predicado é, quase sempre, formado por um verbo ou grupo verbal; o predicativo pode ser formado por adjectivos — e essa é a categoria gramatical mais utilizada em tal função. Mas é muito frequente o recurso a nomes não determinados, a advérbios, a formas nominais dos verbos (gerúndio, particípio e infinito) e, até, a grupos preposicionados.
«Laura, com um ataque de riso, balouçava-se no canapé; as lágrimas saltavam-lhe...»(Vitorino Nemésio, Mau tempo no Canal p. 206)
Fala-se, aqui, de Laura — e dela se diz que se balouçava num canapé. A frase podia ser:
Laura balouçava-se no canapé; as lágrimas saltavam-lhe…
Mas V. Nemésio quis dizer, ou predicar, mais alguma coisa a respeito de Laura: e dela disse ainda (predicou): «com um ataque de riso» (inciso predicativo)
Predicam-se, pois, nesta frase, duas informações a respeito de Laura
… balouçava-se no canapé (grupo verbal — predicado)
… com um ataque de riso (grupo preposicional — predicativo)
Enquanto o predicado seria capaz de formar frase: «Laura balouçava-se no canapé», o predicativo não tem essa capacidade. Estaria errada a frase: *«Laura com um ataque de riso.»
Voltemos ainda à mesma frase:
Laura, com um ataque de riso, balouçava-se no canapé.
Sem aquele complemento predicativo do sujeito poderíamos dizer o mesmo. Assim:
Laura balouçava-se no canapé. Ela estava com um ataque de riso.
Poderíamos ainda, pura e simplesmente, omitir aquela informação. O predicativo é sempre opcional.
Predicativo é uma predicação secundária, muito importante para a função informativa da frase, mas nunca imposta por qualquer tipo de regência. O predicativo é sempre opcional. |
«E assim ali nós ríamos, conversávamos, dançávamos, enquanto, com os seus velhos smokings, os músicos no palco tocavam» (Sophia de Mello Bryner, Contos Exemplares, Retrato de Mónica, p. 118).
— «com os seus velhos smokings» só pode ser predicativo do sujeito!
«E tia Ritinha ficou-se remexendo o seu chá, com uma pequena carranca de amuo, muito sentida» (Agustina Bessa-Luís, Mundo Fechado, p. 74)
Demoremo-nos um pouco sobre esta frase, que é bem típica do que vimos dizendo.
Nela se fala de Tia Ritinha (sujeito). E que se predica dela? Que «se ficou remexendo o seu chá». E este é o predicado.
— «com uma pequena carranca de amuo». Notemos que esta informação tem como referente Tia Ritinha – e não tem, de modo nenhum, qualquer relação com o verbo remexer.
Aquele constituinte «com uma pequena carranca de amuo» só pode ter como referente a Tia Ritinha, que é o sujeito desta frase.
O mesmo acontece com «muito sentida»: que, evidentemente, tem como único referente a Tia Ritinha.
101 — Verbos copulativos.
Tentemos visualizar a acção denotada por um verbo:
comprar, vender, saltar, tossir, escrever, limpar, cantar, etc.
… e verificamos que é possível representar tais verbos. São verbos plenos... Permitem a representação do seu significado.
João escreve, Ana limpa, Maria vende.
Se tentarmos fazer o mesmo com os verbos ser, estar, parecer, continuar, permanecer… veremos que não é possível representar-lhes o significado, porque o não têm. São verbos semanticamente vazios.
*João é, *Ana está, *Maria parece.
Há, pois, verbos que têm significado. São os verbos significativos ou plenos: comprar, vender, saltar; e há verbos que nada significam (ser, estar, parecer…). São os verbos copulativos. Servem para ligar atributos ao sujeito (são verbos de ligação).
João é alegre, Ana está contente, Maria parece feliz.
102 — Atributo é todo o constituinte que, sob qualquer forma categorial, exprime uma qualidade ou um modo de ser do referente do nome a que ele se liga por meio dum verbo copulativo.
Na frase:
João é alegre
— «alegre» é um atributo; categorialmente, é um adjectivo. A qualidade da alegria é, nesta frase, atribuída ao João pelo verbo ser.
O mesmo acontece com o adjectivo saudável na frase
Joana é saudável.
Fixemo-nos bem nesta frase. Falamos de Joana. Que dizemos dela?
— é saudável.
O que dizemos do sujeito é predicado. Logo, é saudável é predicado.
Mas será possível que nestas frases possamos dizer (predicar) mais alguma coisa a respeito de Joana? Sim.
Joana, sempre bem-disposta, é saudável.
103 — Nesta frase inserimos predicação adicional. Além do predicado, inserimos outra informação a respeito do sujeito. Esta informação adicional é um predicativo.
Notemos que o predicado diz algo a respeito do sujeito, e, com o sujeito, dá origem a uma frase.
João parece muito prudente.
O predicativo também diz algo a respeito do sujeito, mas dentro duma frase que já exista — e na qual o predicativo pode entrar e sair livremente.
O predicado é obrigatório para a existência duma frase; o predicativo é opcional.
1. João está feliz.
2. João, amigo dos meus filhos, continua feliz.
3. João, rapaz sempre muito sorridente, parece feliz.
Na frase 1, eu falo do João, e digo que João (sujeito) está feliz (predicado).
Nas frases 2 e 3, falo de João, e dele digo que continua e parece feliz (predicado) – mas não só. Em cada uma dessas frases dispomos de mais informação, devido à presença de predicativos ou incisos predicativos.
E agora já vemos claramente o que nós entendemos por predicado e predicativo – e, logo, já podemos concluir que um constituinte que seja predicado não é predicativo.
Por isso, a descrição sintáctica da frase:
João é muito estudioso
— só pode ser descrita sintacticamente, assim:
Suj.: «João»; pred.: «é muito estudioso».
Notemos o predicado: «é muito estudioso».
Há gramáticas que sobrepõem ao predicado a designação de predicativo, e fazem a seguinte análise:
suj.: «João»; predicado: «é muito estudioso»; «muito estudioso»: predicativo do sujeito.
Não podemos concordar.
Se «muito estudioso» é predicado, como atribuir-lhe outra função que, de facto, aquele constituinte não tem?
O complemento predicativo é sempre uma predicação secundária opcionalmente adicionada a uma outra predicação. Por isso, ela pode entrar ou sair livremente da frase, sem causar agramaticalidade ou alteração do seu sentido. O predicativo é sempre opcional.
104 — Generalidades:
1. Os verbos copulativos também são chamados verbos de ligação, verbos atributivos e verbos predicadores. Formam predicados complexos pela sua ligação a atributos ou a sintagmas de qualquer natureza categorial.
João é estudioso.
Suj.: «João»; predicado: «é estudioso.»
Estes produtos são para venda.
Suj.: «estes produtos»; pred.: «são para venda»
Maria é médica.
Suj.: «Maria»; pred.: «é médica».
2. Os verbos copulativos, porque nada significam (são verbos dessemantizados), não têm possibilidade de ser predicado.
*João é; *João parece; *João está; *João continua; *João permanece.
Por isso se reconhece que os verbos copulativos são os únicos que não impõem restrições semânticas ao sujeito da oração a que pertencem. Quem impõe restrições semânticas é o predicado.
3. Além da sua função de ligação, os verbos copulativos têm, também, uma função aspectual:
— aspecto permanente: «João é doente»;
— aspecto transitório: «João está doente».
4. É, ainda, função dos verbos copulativos dotar o predicado (o atributo, cfr. n.º 102) dos morfemas de tempo, modo, aspecto, número e pessoa. Por isso, eles são também considerados auxiliares instrumentais. (n.º 65).
5. Só os verbos copulativos podem formar predicados nominais, sempre irreferenciais: quer dizer que o seu referente não é uma entidade identificável, mas um arquétipo — uma qualidade na qual se integra o sujeito.
João é arquitecto
quer dizer que João integra a qualidade ou a profissão de…
João é homem de muito saber
João é-o, é isso
João é poeta
E esta é a razão por que, na substituição do atributo por uma forma pronominal, nos surge sempre uma forma neutra, no singular: o, isso.
As flores do meu jardim são belas e muito grandes. — São-no, são isso.
Comparemos com outro predicado:
Tenho no meu jardim flores belas: tenho-as.
Façamos, ainda, um pequeno exercício.
Escrevamos um atributo («gastador», por exemplo) precedido de verbo copulativo («é gastador») e vejamos qual deles (o verbo copulativo ou o atributo) é que irá determinar o sujeito.
Assim, com uma das três hipóteses que seguidamente apresentamos:
Hipótese 1: João, rapaz muito poupado; 2. Ana; 3. Pedro — preenchamos a frase:
... é gastador
E veremos que, para formar uma frase, só a hipótese 3 é possível, por imposição do sentido do atributo «gastador». Ora, como sabemos que só o predicado é que impõe restrições semânticas ao sujeito, podemos concluir que a função do atributo «gastador», naquela frase, é de predicado.
A frase descreve-se, assim:
Suj. «Pedro»; predicado: «é gastador».
Consta, nalgumas gramáticas, a classificação do atributo, nas orações copulativas, como complemento predicativo do sujeito. E já estamos a ver que não é assim.
Na frase: «Pedro é gastador» não há qualquer complemento predicativo do sujeito — pela simples razão de que só ali temos dois grupos sintácticos: um é sujeito; o outro, predicado.
Outra frase:
Joana, de vestido e botas verdes, parecia uma lagarta.
Suj: «Joana»; pred: «parecia uma lagarta».
Nesta frase já há um complemento à predicação, logo, um complemento predicativo! É que, falando de Joana, além de dizermos que parecia uma lagarta (predicado), dissemos mais: de vestido e botas verdes. Essa informação adicional, opcional, é que é, de facto, complemento predicativo do sujeito.
Então, não é verdade que, naquela frase, se fazem duas predicações a respeito de Joana? Uma é principal, é essencial para a existência da frase: é o predicado (parecia uma lagarta).
A outra predicação é secundária (prédication seconde é o nome que lhe dão as gramáticas francesas).
Cf. Sobre o predicativo do sujeito; Sobre o predicativo do sujeito (Carlos Rocha) II