[Foi inaugurada, dia 26 de Maio p.p] em Lisboa, no Parque Eduardo VII, mais uma feira do livro. Escrevo mais uma querendo dizer isso mesmo: mais uma. Mais uma que, presumo, em poucos aspectos se distinguirá das anteriores setenta e cinco.
Uma das raras iniciativas que ainda ligam o Portugal dos nossos dias ao Portugal de 1930 é a Feira do Livro de Lisboa. A mudança mais significativa nos últimos setenta e cinco anos, creio, foi a localização – a feira arrastou-se a custo, tropegamente, para o Parque Eduardo VII, um jardim muito feio num lugar muito bonito. Pensando melhor, o Parque Eduardo VII talvez seja realmente o lugar apropriado para acolher a actual Feira do Livro. Representam ambos um passado morto. Curiosamente, galgando o Parque Eduardo VII chega-se a um jardim belíssimo, desenhado pelo arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles – o Jardim Amália Rodrigues. É o Portugal contemporâneo, democrático, contemplando o Portugal sombrio e geométrico dos anos trinta.
Regressei há poucos dias, entusiasmado, da Feira do Livro de Turim. A língua portuguesa foi escutada por muita gente, durante o evento, graças a um esforço conjunto do Brasil e de Portugal, representado pelo Instituto Camões e o Instituto Português do Livro e das Bibliotecas, IPLB. Parece-me justo acrescentar, já agora, que o IPLB tem feito um trabalho excelente, ao longo dos últimos anos, pela promoção da literatura lusófona no mundo, em particular com o seu programa de apoio às traduções. Espero que tal sementeira, morosa e politicamente um tanto ingrata, pois os seus frutos só poderão ser colhidos a médio prazo, não se extinga com o anunciado desaparecimento do IPLB.
Em Turim tive a feliz surpresa de reencontrar João Nuno Alçada, recentemente colocado em Roma como representante em Itália do Instituto Camões, depois de haver cumprido idênticas funções na Cidade da Praia e em Bruxelas. João Nuno deixou muitas saudades em Cabo Verde. Durante os anos que ali permaneceu demonstrou ser possível, com alguma imaginação, transformar muito pouco dinheiro em muita acção cultural. O prestígio de que João Nuno Alçada desfruta entre os criadores africanos de língua portuguesa deve-se quer às suas qualidades humanas, quer ao facto de se ter afirmado sempre não tanto como um representante da cultura portuguesa – alguém de fora – mas sim como alguém de dentro, interessado em promover um património comum.
Pode parecer estranho (a mim parece) mas trinta anos após as independências das colónias africanas, e quase dois séculos depois do Grito do Ipiranga, uma boa parte dos políticos e diplomatas portugueses ainda não compreendeu que a língua portuguesa só tem alguma visibilidade internacional graças primeiro ao Brasil, com os seus 180 milhões de habitantes, e depois a África. Sem o Brasil a nossa língua teria tanta importância, a nível internacional, quanto o holandês. Equívoco igualmente comum é encarar os brasileiros como perigosos concorrentes, no campo da afirmação da língua, ao invés de os ver como aquilo que, neste aspecto concreto, realmente são: o outro, o mesmo.
Em Turim foi possível juntar a uma mesma mesa escritores brasileiros, portugueses e africanos para debater, frente a uma plateia não lusófona, mas sem dúvida alguma lusófila, assuntos da nossa língua. O grande número de universitários italianos a estudar português e as literaturas dos países de língua portuguesa, fenómeno que julgo não ter equivalente em nenhum outro país, pode abrir um mercado interessante, em poucos anos, para os escritores lusófonos. Justifica-se assim o investimento do IPLB e do Instituto Camões, que apoiaram algumas dezenas de traduções presentes na Feira de Turim.
Lisboa deveria ter uma feira à altura da sua condição de cidade mãe do mundo de língua portuguesa. Uma feira da lusofonia, onde estivessem representados editores de todos os oito países que falam português. Uma iniciativa nestes moldes asseguraria visibilidade internacional à literatura em língua portuguesa, atraindo não apenas novos leitores, mas também agentes literários. À semelhança do que acontece em Turim ou em Frankfurt, a Feira do Livro de Lisboa poderia transformar-se então num importante evento de venda de direitos autorais.
Evidentemente, teriam de ser outros os organizadores, e outras as instalações. Tenciono viver muito tempo. Pode ser que ainda veja isto acontecer.
in "Público” de 21 de Maio de 2006