1. Natal: época de reflexão e de união, época de partilha e de proximidade. A vivência deste período convida à comunicação entre os Homens, que procuram, por atitudes ou palavras, expressar os votos que a data estimula. Proliferam as mensagens que lembram e fazem lembrar, que distribuem esperança e força para recomeçar. Dada a importância que estas palavras podem ter para quem as envia ou para quem as recebe, é fundamental que os erros não venham manchar as boas intenções (ainda que se trate de uma mensagem estereotipada). Por esta razão, Carla Marques, colaboradora permanente do Ciberdúvidas, num pequeno apontamento, passa em revista algumas mensagens menos corretas que por aí circulam, passando de mão em mão, e explica a natureza dos erros. Para que as festividades possam também ser o espaço de uma língua estimada e cuidada.
Quem também não é indiferente à ligação entre a língua e Natal é o tradutor e professor universitário Marco Neves, que tem publicado diversas crónicas relacionadas com o tema, das quais recordamos aqui «Doze deliciosas palavras deste Natal» e «Que língua fala o Pai Natal? E o Menino Jesus?». E, para além destas, alguns textos alusivos ao Natal e suas tradições: «Els caganers: a mais estranha tradição de Natal na Catalunha» e «Natal, sexo e escadas rolantes». Ver, ainda, Como São as Tradições de Natal Nestes Países?
O Ciberdúvidas faz coincidir a sua interrupção com a pausa escolar do 1.º período em Portugal, ficando fechado o consultório linguístico. Não obstante, continuaremos a assinalar nos Destaques notícias relevantes da atualidade, ficando disponível o acesso ao vasto arquivo do Ciberdúvidas (ver aqui). A partir de 6 de janeiro de 2020, regressaremos com as atualizações regulares. Para qualquer outro assunto os contactos estão descritos aqui.
Primeira imagem: iluminação da cidade do Porto: segunda imagem: iluminação da cidade de Viseu.
2. Três países de língua portuguesa, Brasil Cabo Verde e Portugal, foram presenteados durante a semana de 11 de dezembro com o anúncio de que a UNESCO reconheceu a três das suas tradições como Património Imaterial da Humanidade: o Bumba meu boi, festa tradicional do estado do Maranhão; a morna, género musical cabo-verdiano, considerado a «música rainha» do país e que teve como maior expoente a cantora Cesária Évora, que a projetou a nível mundial; e os caretos de Podence. Caretos são figuras tradicionais da aldeia de Podence (do concelho de Macedo de Cavaleiros, situado na região nordeste de Portugal), que representam figuras diabólicas, vestidas de colchas vermelhas decoradas com lã colorida, máscaras vermelhas e chocalhos à cintura. Na época das festividades do final do inverno e da celebração do Carnaval, os caretos apanham as raparigas para as poder "chocalhar" (notícias aqui, aqui e aqui).
No plano linguístico, esta última tradição levanta o problema de como pronunciar corretamente o topónimo Podence. Como explica Carlos Rocha, coordenador executivo do Ciberdúvidas, não há razão histórica para se pronunciar "Pòdence", com vogal aberta (o que poderá, eventualmente, acontecer pela sugestão de "Esposende" - que se diz "Espòsende", com "o" átono mas aberto). Na verdade, os próprios naturais da aldeia, dizem "pudence", como seria de esperar em posição átona. Há topónimos que têm vogal abertas em posição átonas por razões históricas: por exemplo, além de "Esposende", conta-se "Resende", com "e" aberto átono na sílaba "Re-". Estas vogais átonas abertas devem-se geralmente à contração (crase) de pares de vogais iguais; assim, "Esposende" tem um "o" aberto que remonta ao par "oo" da forma medieval (hipotética) "Espoosendi"; e o "e" aberto de "Resende" será o resultado de "ee" da forma também medieval "Reezende".*
* A forma é "Espoosendi" é hipotética, porque o que se atesta em 1258 é "Espoesendi" (ver José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa). Quanto a "Reezende", ocorre esta nos Portugaliae Monumenta Historica, muito embora nesta fonte também figure "Reisindi", que pode pôr em causa a possibilidade de o "e" aberto da forma atual ter a explicação aqui proposta.
3. A jovem ativista sueca Greta Thunberg foi considerada pela revista Time personalidade do ano 2019. O destaque que a jovem tem merecido em todos os meios de comunicação social motiva a questão sobre a pronúncia correta do seu nome, dada até a complexidade do sistema fonético sueco. Este esclarecimento é feito na atualização do Consultório e dá o mote para algumas das respostas que agora divulgamos, relacionadas com a importância que a correção assume em vários planos da língua, para além de permitir recordar que, não raro, o problema da correção não se coloca no domínio do certo ou do errado, mas está antes dependente do contexto de comunicação ou do registo de língua a ser usado. É desta natureza a alternância de usos das expressões «jogar mais ele» e «jogar com ele». É também a preocupação com a correção que está na base de uma pergunta sobre os termos de âmbito regional garruço e barruço ou sobre o uso da expressão «muito fundamental». Já a alternância entre as expressões «funcionar aos sábados» e «funcionar nos sábados» evidencia um caso de especialização dos sentidos. Uma outra questão prende-se com a correção da opção pela colocação de uma preposição em início de construção clivada (como em «Do que muitos começam a duvidar é das suas possibilidades»). Por fim, identifica-se o ato ilocutório configurado pela interrogação «O remédio?» e a função sintática do grupo preposicional na frase «Estreou em 1843».
4. Na rubrica Montra de Livros, divulgamos a obra do historiador português António Borges Coelho, intitulada Ruas e Gentes na Lisboa Quinhentista (com a chancela da editora Caminho), onde se esboça um retrato das pessoas e da Lisboa quinhentista, passando também pela toponímia da capital.
5. Na atualidade relacionada com língua, destacamos a colaboração do Plano Nacional da Língua 2027 com o programa Jogo da Língua, transmitido de segunda a sexta-feira na Antena 1 e na RDP Internacional, da responsabilidade da Associação Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. Alunos que frequentam o 3.º ciclo e o ensino secundário em Portugal passam a participar ao desafio do dia. Quem acertar na resposta, a respetiva Biblioteca Escolar receberá livros oferecidos pelo PNL2027. Mais pormenores aqui.
6. Sobre os temas da semana dos outros dois programas produzidos pela Associação Ciberdúvidas da Língua Portuguesa para a rádio pública portuguesa, o Língua de Todos , na RDP África, e o Páginas de Português , na Antena 2, aqui.
7. Para celebrar a língua em época natalícia, o Ciberdúvidas brinda os seus leitores com um poema alusivo à época, da autoria do poeta e compositor musical brasileiro Vinicius de Moraes, acompanhado por uma pintura sugestiva do pintor português Domingos Sequeira. Boas festas!
Poema de Natal
Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos -
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será a nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos -
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez, de amor
Uma prece por quem se vai -
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte -
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.
Vinicius de Moraes, Antologia Poética
|
Domingos Sequeira, Adoração dos Magos. 1828 |