Apesar de portugueses e brasileiros, entre outros povos, falarem o mesmo idioma, não podemos esperar que a gramática funcione exatamente da mesma maneira nas diferentes variedades da língua portuguesa.
O português de Portugal e o português do Brasil são duas das variedades que têm sido abordadas frequentemente em obras de descrição e codificação. Entre as várias diferenças, encontra-se justamente a focada pela consulente: no Brasil, não sendo impossível empregar que como determinante interrogativo, é frequente empregar qual com essa função (ou, para ser mais prático, sem ser seguido da preposição de). Esta possibilidade é gramatical e está atestada tanto em gramáticas como em dicionários produzidos no Brasil. Por exemplo, é referida por Evanildo Bechara, na Moderna Gramática Portuguesa (Editora Lucerna, 2002, p. 170):
«Qual e também que, indicadores de seleção, normalmente são pronomes adjetivos:
Em qual livraria compraremos o presente?
Em que livraria compraremos o presente?»
O Dicionário UNESP do Português Contemporâneo (s. v. qual) também dá conta do uso de qual como determinante interrogativo:
«QUAL. Pron [Interrogativo] 1 Introduzindo uma pergunta de caráter seletivo, refere-se a coisa ou pessoa dentre outras: Qual blusa você prefere? Nem sabia qual filho nascera primeiro. Diga qual bebê é o mais lindo. Em qual estante está o livro que você pediu? [...]»
Este uso não se verifica em Portugal, pelo menos, em frases interrogativas que tenham o predicado realizado; nestas frases ocorre sistematicamente que antes de substantivo («em que livraria compraremos...?»; «Que blusa prefere?»; «Nem sabia que filho nascera primeiro»; «Diga que bebé é o mais lindo.»; «Em que estante está o livro?»). No português de Portugal, é, no entanto, possível associar tanto que como qual a um substantivo em interrogativas sem realização de predicado, com a função de identificar o referente de um grupo nominal pronunciado anteriormente em discurso:
«– Falei com o funcionário.
– Que/qual funcionário?»
Qual ocorre ainda antes de um grupo nominal definido, isto é, determinado por artigo definido, em interrogativa sem verbo:
«Qual o funcionário em causa?»*
Para quem fala português de Portugal, é, portanto, estranho o uso de qual entre brasileiros. A situação inversa, ou seja, a do uso quase sistemático de que, também pode surpreender os brasileiros. Mas, como dissemos, acontece que, em todas as línguas que se repartem por diferentes países, as diferenças são inevitáveis mesmo nas estruturas gramaticais, apesar da ideia ou sentimento de unidade do idioma. É por isso que se diz que o português tem não uma, mas várias normas nacionais, entre elas, duas que historicamente têm sido alvo de grande atenção por parte de gramáticos e linguistas, o português lusitano e o português brasileiro, as quais nem sempre convergem gramaticalmente.
Agradecemos as suas palavras finais.
* Pode ocorrer um verbo neste tipo de interrogativas mas sempre numa oração subordinada: «Qual o funcionário que está em causa?»