DÚVIDAS

«De molde a» e «de modo a»

Gostaria de confirmar se o uso distinto que faço das locuções «de modo a» e «de molde a» se justifica, ou se as duas são afinal permutáveis.

Escreverei assim «A proposta apresentada é de molde a permitir um consenso» (ou seja, «pela sua natureza ou características, a proposta é suscetível de permitir um consenso»). Escreverei, em contrapartida, «Apresentei uma proposta, de modo a permitir um consenso» (ou seja, «para que cheguemos a um consenso, apresentei uma proposta», sem que haja nexo causal – ou gramatical – direto entre a natureza da proposta e o possível consenso).

Desde já agradeço a vossa resposta.

Resposta

Pode substituir uma expressão pela outra, quando se trata de introduzir uma oração subordinada adverbial final:

1) «Apresentei uma proposta, de modo/molde a permitir um consenso.»

Isto mesmo confirma o Dicionário Estrutural, Estilístico e Sintático da Língua Portuguesa (Livraria Chardron e Lello & Irmãos Editores, 1985), de Énio Ramalho, que recolhe exemplos de ambas as locuções com valor final:

2) «O plano foi concebido de molde a satisfazer as classes mais desfavorecidas.»

3) «Recomeçaram as conversações no sentido de se chegar a acordo e de modo a permitir a normalização da vida empresa.»

Em 2 e 3, não nos parece haver restrições à substituição de uma locução pela outra.

Acresce que na mesma fonte se atesta também o uso das duas locuções com o verbo ser:

4) «As opiniões que recolhemos são de molde a reforçar a nossa convicção.»

5) «A sua divisão administrativa será de modo a promover o desenvolvimento do país.»

Observe-se, contudo, que há maior preferência por usar a sequência «ser de molde a» como um todo, deixando a locução «de modo a» ocorrer noutros contextos. Com efeito, o Corpus do Português de Mark Davies e Michael Ferreira, apresenta ocorrências de «é de molde a» (1), «foi de molde a« (1) e «era de molde a» (5), todas elas representativas do uso de «ser de molde a» como expressão feita, mas, na mesma fonte, são praticamente nulas as ocorrências de «é/foi/era de modo a»1. Por outras palavras, é mais frequente e, portanto, mais natural dizer-se que «algo é de molde a...» do que «algo é de modo a...».

1 Apenas se conta uma ocorrência constituída pela sequência «era de modo a», mas num contexto sintático que indica que não se trata de uma expressão feita homóloga de «ser de molde a»: «quando o trabalhador citadino tinha de ser “representado”, ele o era de modo a valorizar mais os seus músculos». No exemplo, o verbo ser tem um predicativo do sujeito associado marcado pelo pronome o, donde se infere que «de modo a» é uma locução prepositiva que introduz um modificador do grupo verbal, e não uma expressão que ligue diretamente a ser.

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