A questão colocada tem toda a pertinência, dadas as diferentes leituras de se. A mesma forma do pronome pessoal reflexo é idêntica a formas do pronome pessoal recíproco, do se apassivante e do se impessoal, do se inerente, pelo que algumas frases podem ser ambíguas na sua leitura; no entanto, há formas de desambiguar as leituras:
1. Os pronomes pessoais recíprocos (nos, se) indicam, pelo menos, duas entidades distintas referidas pelo grupo nominal com a função de sujeito (i) e que estão envolvidas semanticamente numa situação simultaneamente como agentes e como pacientes. Se adicionarmos as expressões «um ao outro», «uns aos outros» ou «entre si» à frase, a leitura passa a ser obrigatoriamente recíproca:
(i) «Nós ferimo-nos» (= uns ao outros).
(ii) «O João e a Maria feriram-se» (= um ao outro).
Outra característica dos pronomes pessoais recíprocos é que só ocorrem em frases com sujeitos plurais ou com sujeitos constituídos por dois grupos nominais coordenados, como vimos em (i) e (ii).
(iii) *«Eu feri-me» (= um ao outro).
2. Pronome pessoal reflexo (se, si, me, te, nos, vos); pronome pessoal que indica que uma única entidade é simultaneamente agente e paciente da acção expressa pelo verbo. Se juntarmos expressões como «a mim/ti/si próprio/mesmo» ou «a nós/vós/eles próprios/mesmos» à frase (v) , a leitura passa a ser obrigatoriamente reflexa:
(iv) «Nós ferimo-nos» (a nós próprios).
(v) «O João e a Maria feriram-se» (a si próprios).
(vi) «Eu feri-me» (a mim próprio).
3. O se impessoal (invariável) é uma das formas de expressão de um sujeito indeterminado, que é parafraseável por «há pessoas que»; «há quem» ou «alguém», e ocorre em construções cujo verbo se emprega na terceira pessoa do singular, apesar de o sujeito (indeterminado) poder ser uma entidade plural:
(vii) «Corre-se muito no estádio» (= Há quem corra/há pessoas que correm/alguém corre muito no estádio).
(viii) «Aqui salta-se de pára-quedas» (= Há quem salte/Há pessoas que saltam/alguém salta de pára-quedas).
4. O se passivo/apassivante (invariável) permite formar uma frase passiva sem utilizar um verbo auxiliar, pelo que as frases com se passivo são sempre parafraseáveis por uma frase com o auxiliar da passiva.
(ix) «Compram-se carros em segunda mão» (= carros são vendidos em segunda mão).
(x) «Ouvem-se rumores na aldeia» (= São ouvidos rumores na aldeia).
Distinguindo-se, assim, do se impessoal:
(xi) * «É corrido muito no estádio.»
(xii)* «Aqui é saltado de pára-quedas.»
5. O se (me, te, se, nos, vos) inerente é um pronome pessoal sem valor reflexo, recíproco, impessoal ou passivo e sem função sintáctica na frase a que pertence, que pode ser considerado parte integrante dos verbos, pois existem verbos que exigem a presença de se inerente (xiii) e verbos que a admitem, mas não exigem (xiv):
(xiii) «Eles atreveram-se a copiar?»
(xiv) «Ele riu(-se) da Maria.»
Note-se que não é possível fazer seguir a um pronome pessoal inerente expressões como «a si próprio» ou «um ao outro», o que mostra que se trata de um forma diferente dos pronomes reflexos e dos pronomes recíprocos:
(xv) *«Eles atreveram-se (um ao outro/a si mesmos) a copiar?»/*«Ele riu-se (um ao outro/a si mesmos) da Maria.»
As mesmas frases também não podem receber as paráfrases típicas de frases com se passivo ou com se impessoal:
(xvi) ? «Eles foram atrevidos a copiar.»/*«A Maria foi rida dele.»
Feita a descrição, fundamentamos agora a identificação de se em «O meu nome inicia-se por P». Argumentámos anteriormente que se trata de um pronome reflexo, dado que, na frase, o se de «inicia-se» indica que a entidade «nome» é simultaneamente agente e paciente da acção expressa pelo verbo iniciar:
(a) «O meu nome inicia-se (a si prório) com P.»
Porém, também podemos formar uma frase passiva correspondente:
(b) «O meu nome é iniciado por si próprio por/com P.»
Identificar «P» como agente da passiva da passiva em (b) gera uma anomalia semântica; veja-se o resultado da frase activa se atribuirmos a «P» essa função:
c ?/* «O P inicia o meu nome.»
Esta leitura é no mínimo duvidosa, se não agramatical (do ponto de vista semântico). Apesar de, sintáctica e morfologicamente, se poder ser reflexo e apassivante.
Foi isto que nos levou a identificar se como pronome reflexo. Além disso, a frase «O meu nome inicia-se com P» pode ter a mesma leitura de: «O meu nome começa com P», em que «nome» continua a ser o agente da acção.
Ainda respondendo à sua pergunta «O verbo iniciar-se, com o sentido empregado ("ter inicío"), não é conjugado somente na terceira pessoa (singular ou plural)?», voltamos a indicar que iniciar(-se) não é um verbo elíptico, pois conjuga-se em todas as pessoas (do singular e o plural). Veja-se os exemplos:
«Aos 15 anos iniciei-me na prática do andebol.»
«Sim, iniciámo-nos ao mesmo tempo.»
«Portugal terá a sua corrida, no Estoril, em 24 de Setembro de 1995, iniciando-se o campeonato em 12 de Março na Argentina e terminando exactamente oito meses depois, no circuito australiano.»
(Exemplos retirados de: Corpus: CETEMPúblico v1.7)
No último exemplo verificamos, mais uma vez, que o agente e paciente da acção denotada pelo verbo iniciar, e o elemento co-referente ao pronome se, é o substantivo campeonato. A correspondente passiva da mesma frase seria a seguinte: «(...) o campeonato é iniciado (por si próprio) em 12 de Março na Argentina e terminado (por si próprio) exactamente oito meses depois, no circuito australiano.»
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