Não queremos de forma alguma obstar o que o consulente afirma, e agradecemos antes de mais o seu gentil comentário.
Na nossa análise à frase «Meu nome inicia-se com P», indicámos que o -se era um pronome reflexo. Ora esta identificação não é indiscutível, até porque a maioria das gramáticas nem sempre explicitam exactamente os elementos que procuramos, exibem diferentes terminologias, e as análises que fazem nem sempre são exaustivas, até porque não é esse o papel delas, mas é sim o papel dos linguistas que as usam para trabalhar com a língua.
A análise feita no Ciberdúvidas baseou-se em duas gramáticas; a Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Cunha e Cintra, e a Gramática da Língua Portuguesa, de Mateus et alii. Ambas gramáticas aconselhadas ao público académico e aos investigadores de linguística. Apesar de apresentarem explicações similares, a segunda é muito mais detalhada do que a outra, analisando e exemplificando as diversas questões exaustivamente.
Quanto aos valores e ao emprego do pronome se, Cunha e Cintra afirmam que este pode ser reflexo ou recíproco, e explicam que, «quando o objecto directo ou indirecto representa a mesma pessoa ou a mesma coisa que o sujeito do verbo, ele é expresso por um pronome REFLEXIVO (…).
Como são idênticas as formas do pronome recíproco e do reflexivo, pode haver ambiguidade com um sujeito plural. Por exemplo, uma frase como a seguinte:
Joaquim e António enganaram- se.
(…) para marcar expressamente a acção reflexiva, acrescenta-se-lhes, conforme a pessoa, a mim mesmo, a ti mesmo, a si mesmo, etc.:
Joaquim e António enganaram-se a si mesmos.
(…) Valores e empregos do se.
a) OBJECTO DIRECTO (emprego mais comum) com verbos transitivos (ex.: o meu pai tranquilizou -se com a notícia.)
b) OBJECTO INDIRECTO com verbos intransitivos directos (ex.: perguntava -se se seria um sonho.)
c) SUJEITO DE UM INFINITIVO (ex.: deixou -se cair.)
d) PRONOME APASSIVADOR (ex.: fez -se silêncio.)
e) INDETERMINAÇÃO DO SUJEITO (ex.: come- se ao ar livre.)
f) PALAVRA EXPLETIVA (Foi- se embora.)
g)PARTE INTEGRANTE DE CERTOS VERBOS que geralmente exprimem sentimento ou mudança de estado (ex.: Atrever-se, arrepender-se, congelar-se, etc.)»
Sobre esta última alínea, em Mateus et alii, é-nosapresentada uma explicação mais detalhada:
«Há em português alguns verbos que surgem associados a formas idênticas aos reflexos; trata-se de verbos como admirar-se, arrepender-se, atrever-se (…) e indignar-se podem usar-se sem o pronome (o primeiro com alteração de significado), mas os outros não têm sequer a variante “não pronominal” 1(…) A impossibilidade de paráfrase com a si próprio/mesmo e o facto de se não poder receber nenhum papel temático mostram que não estamos perante verdadeiras anáforas reflexas:
(28) * A Maria admira-se a si própria com o consumo exagerado dos jovens.
(29) A Maria Experienciador admira-se [com o consumo exagerado dos jovens] Tema
As formas me, te, se, nos, vos que aparecem nestes verbos são, portanto, uma propriedade lexical dos próprios verbos, sendo “reflexos inerentes” ou “pseudo-reflexos”, uma especificidade das línguas românicas e do português em particular.»
Consideremos novamente a frase «Meu nome inicia-se com P». De um ou do outro ponto de vista de análise, -se é sempre um reflexo; ou um reflexo mais comum, que recebe um papel temático e que pode ser objecto directo de verbos transitivos [como é o caso de «iniciar(-se)»)] ou um reflexo inerente, um pseudo-reflexo — parte integrante de certos verbos, como afirma a Academia Brasileira de Letras.
Não contradizendo o que é dito pela mesma academia, pois não rejeitamos outras propostas de análise, seguindo outros quadros teóricos; o -se pode ser parte integrante de verbos «que exprimem um sentimento ou mudança de estado», mas o verbo iniciar(-se) não parece exprimir nem um sentimento, nem uma mudança de estado (como congelar-se: estado congelado - descongelado). Daí a nossa análise.
Foram estas as bases que nos levaram a identificar como pronome reflexo o -se da frase «Meu nome inicia-se com P». Esperamos que tenha ficado claro.
Ao seu dispor para qualquer outra dúvida.