DÚVIDAS

O imperativo e o discurso indirecto

Querendo explicar aos meus cursistas como se tem de pôr uma frase com o verbo no imperativo no discurso indirecto, queria saber se é possível utilizar uma construção com poder ou ter de em vez do imperativo do conjuntivo ou o infinitivo pessoal.

Exemplo:

Discurso directo: «Não se vão embora, que eu chego logo!»

Discurso indirecto: «Ela disse para não nos irmos embora, que ela chegava logo.»

Discurso indirecto com verbo poder: «Ela disse que não nos podíamos ir embora, que ela chegava logo.»

Discurso indirecto com verbo ter de: «Ela disse que não tínhamos de ir-nos embora, que ela chegava logo.»

No exemplo em cima se trata de um imperativo. Normalmente, este deve ser substituído por um conjuntivo imperfeito ou um infinitivo pessoal. Visto que os meus cursistas ainda não conhecem nenhum destes dois tempos, queria oferecer-lhes uma outra possibilidade para resolver este problema, acrescentando o verbo poder ou ter de. Quais das possibilidades que mencionei acima lhes parecem melhores?

Outra pergunta que surge quando se põe no discurso indirecto a frase que dei como exemplo é: os tempos têm mesmo de mudar para o imperfeito? Em português é incorrecto/impossível dizer: «Ela disse que não podemos/temos de... que ela chega/chegará/chegaria logo»?

Segundo as regras gramaticais, há uma incongruência dos tempos nestas frases? Para mim, o uso da língua não é sempre tão rígido e depende muitas vezes das circunstâncias. Por isso acho que estas frases também podem ser correctas...

Mas como professora tenho de ter a certeza de que o que estou a dizer é correcto!

Muito obrigada pela ajuda e feliz ano novo!

Resposta

Penso que não é incorrecto usar o verbo poder para transpor um imperativo para o discurso indirecto, tendo em conta o exemplo que apresenta e o facto de estar a ensinar estrangeiros a falar português. Todavia, parece-me mais correcto o uso do auxiliar modal dever, pois «não se vão embora» não implica necessariamente a proibição de ir embora (expressa em «não nos podíamos ir embora»), mas mais propriamente um pedido ou um conselho (expresso em «não nos devíamos ir embora»).

Não aconselharia, no entanto, o uso de ter de no caso da frase apresentada, pois a negativa «não tínhamos de ir» implica a ausência de obrigatoriedade ou necessidade, o que também não corresponde necessariamente à ideia contida no imperativo.

Quanto à sua segunda questão, eu diria, igualmente, que a mudança dos tempos verbais depende das circunstâncias, ou do(s) contexto(s) em que os discursos directo e indirecto são formulados. Por exemplo, a diferença entre «ela disse que chegaria logo» e «ela disse que chegará logo» (ambas reformulações válidas de «chego logo») reside no facto de, no momento em que o seu discurso é reformulado por outrem, a pessoa em questão ter ou não desempenhado a acção a que se refere: «chegaria», se já passou o momento em que ela deveria ter chegado, «chegará», se ainda não chegou quando alguém repete as suas palavras em discurso indirecto.

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa