O verbo latino sum,es,esse,fui, à qual remonta grande parte da conjugação do verbo ser, teve frequentes alterações na história da língua latina, sofrendo vários processos fonológicos, morfológicos e semânticos, nomeadamente o rotacismo.
Na evolução para as línguas novilatinas, foram-se estabelecendo paralelismos que se têm mantido nos últimos séculos. O futuro imperfeito do modo indicativo mantém estruturas paralelas que substituíram as antigas formas do futuro imperfeito do indicativo latino, como aliás em todos os verbos. Por exemplo, poderemos ter em atenção as actuais formas do futuro perifrástico «hei-de ser», «hás-de ser» etc. como um ponto intermédio na evolução que conduziu às formas sintéticas do futuro imperfeito do indicativo de hoje (serei = ser hei; serás = ser + hás).1 Mas é notável a estabilidade das irregularidades da conjugação de ser, que se têm mantido devido ao seu largo uso: sum, es, est, sumus, etc./sou, és, é, somos, etc. no presente; fui, fusti, fuit, etc./fui, foste, foi, fomos, etc. no pretérito perfeito; eram, eras, erat, etc./era, eras, era, etc. no pretérito imperfeito.
Apesar disto, não compreendemos o que o consulente quer dizer por «verbo imortal». Se é porque, como ela diz, em latim não se dizia «ele é cantante» em vez de «ele canta», só podemos afirmar que tal não é verdade: em latim, é perfeitamente corrente cantat no sentido de «ele canta».
A expressão «Fulano é cantante» é, sim, uma construção com o adjectivo cantante derivado do particípio do presente do verbo cantare. Os particípios presentes não são muito produtivos em português moderno, tendo sido recuperados sobretudo com a relatinização do léxico no período clássico, isto é, a partir do século XVI. Hoje usam-se sobretudo como adjectivos: crescente, florescente, deprimente; alguns são usados também ou só como substantivos: deliquente, ente.
Poderemos ainda realçar a importância do verbo ser como auxiliar da voz passiva.
Como bibliografia poderemos indicar:
WILLIAMS, Edwin — Do Latim ao Português — Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1975.
NUNES, José Joaquim — Compêndio de Gramática Histórica Portuguesa, Livraria Clássica, Lisboa.
1 As construções perifrásticas são frequentes nas línguas novilatinas, que são analíticas, enquanto a língua latina é fundamentalmente sintética. As formas compostas com verbos auxiliares confirmam esta tendência.