DÚVIDAS

Ainda a pronúncia-padrão

Tenho visto várias insinuações segundo as quais a pronúncia das capitais acaba por ser uma referência da pronúncia nacional por uma questão de convenção prática e para não se cair em discussões subjetivas.

Me desculpem, mas acho isso terrivelmente simplista e falso.

Não é preciso ver muitos filmes nem viajar muito para se saber que muitas capitais (políticas, históricas ou econômicas) têm em geral uma pronúncia considerada desviada do padrão nacional.
Assim é em Londres, Paris, Berlim, Roma, Lisboa, Nova Iorque, etc. Se uma pessoa vem dessa terra e é típica de lá, um nacional logo sabe que ela é da "capital". Não por falar o padrão, mas por ter um sotaque próprio. Existem muitas razões socioeconômicas para justificar isso...

A convenção do padrão é feita por um todo muito mais complexo. Muitos países têm a sua Coimbra de referência, como é o caso de Oxford, Salamanca, etc.

Um exemplo:

Se um angolano pronuncia "rio" diferentemente de "riu", assim como um brasileiro, assim como a maior parte dos portugueses, não é preciso ser um doutorado no assunto para ver que a convenção-padrão não deve ser a da pronúncia dita de Lisboa...

Outro fator é o que se pode chamar de imaginário. Um lisboeta pronuncia de maneira igual essas duas palavras, mas tem para si que são de pronúncias diferentes. Eu sou do Porto e pronuncio 'ão' e 'om' de maneira igual bastantes vezes, mas tenho para mim que são sons diferentes, pois há uma consciência subtil interiorizada do padrão.

Bem hajam!

Resposta

Tem muita razão, o prezado consulente. Eu diria, no entanto, que afirmar que a pronúncia das capitais acaba por ser uma referência da pronúncia nacional é muito simplista, mas não é terrivelmente falso. A convenção do padrão é, de facto, feita por um todo muito mais complexo, contudo, o factor capital não é despiciendo.

Veja-se, por exemplo, o caso português, que é o que nos está mais próximo. Actualmente considera-se que em Portugal a norma-padrão é a variante falada pelos grupos mais escolarizados da região compreendida entre Coimbra e Lisboa. Podemos ver nesta simples e vasta definição que são contemplados factores geográficos (é a região central do país), histórico-sociais (Coimbra, cidade com a mais antiga universidade do país e consequente tradição de cultura e saber), socioculturais (os grupos mais escolarizados), sociopolíticos (Lisboa, capital do país).

Assim, se antes se dizia que era a variante de Coimbra aquela que se constituía como variante-padrão, agora alargou-se um pouco a área geográfica para incluir o falar da capital. (Aliás, tomando os seus exemplos, também, na Inglaterra, se fala hoje no eixo Oxford-Cambridge como zona da variante-padrão, o que é uma forma elegante de incluir a capital, Londres).

Claro que dentro desta vasta região convivem diferentes falares que vão necessariamente divergir daquilo que se considera o padrão. É, em parte, por essa razão que se introduz o factor escolarização na definição de norma ou variante-padrão. A escola funciona como um elemento padronizador da língua, uma vez que à partida a variante por ela privilegiada e difundida é a variante-padrão. Esta uniformização promovida pela escola é menos notada ao nível da pronúncia do que ao nível lexical ou sintáctico, mas é, ainda assim, um factor importante e também um dos elementos que contribuem para a consciência subtil interiorizada do padrão de que fala o consulente.

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa