Pedimos o parecer de dois dos nossos consultores, D’Silvas Filho e Maria Regina Rocha. O primeiro considera que, dado o actual processo de globalização, se está a espalhar o uso de abreviações em língua estrangeira, principalmente o inglês, o que permite aceitar UNIFIL (United Nations Interim Force in Lebanon) em textos jornalísticos menos exigentes. No entanto, este consultor observa que, havendo maior exigência na escrita, é necessário recorrer à redução FINUL. Além disso, D’Silvas Filho argumenta que é preferível usar intermediária a interina, pelo que sugere que FINUL corresponda à expressão portuguesa «Força Intermediária das Nações Unidas no Líbano».
Maria Regina Rocha frisa que as siglas relativas a entidades existentes em certos países ou regiões devem ser as que resultam das sequências formadas nas línguas dos mesmos (por exemplo, não se adapta ETA, sigla de “Euskadi ta Askatasuna”, organização política basca). Porém, em contextos de maior internacionalização, como é o caso da UNIFIL, e havendo já a sigla FINUL em línguas próximas da nossa como o espanhol e o francês, há argumentos para preferir uma abreviação de acordo com a estrutura da nossa língua.
Maria Regina Rocha observa ainda que traduzir o inglês “interim” (United Nations Interim Force in Lebanon) como intermediária (Força Intermediária das Nações Unidas no Líbano) não é adequado, uma vez que o termo inglês significa «provisório». No âmbito da norma do português europeu, aconselha a adaptar uma sigla estrangeira à estrutura do português sempre que através dela se designe uma entidade com a qual Portugal esteja envolvido, ao mesmo tempo que reconhece que são os responsáveis pela política da língua que devem definir os princípios que regem tal adaptação.
Assinale-se que entre D’Silvas Filho e Maria Regina Rocha há diferenças na terminologia utilizada. D’Silvas Filho classifica UNIFIL e FINUL como abreviações, reduções ou siglas e não como acrónimos. Este nosso consultor distingue sigla de acrónimo: a primeira corresponde sempre à abreviação de uma expressão que tem valor de nome próprio, e o segundo é uma sigla que não só se pronuncia como uma palavra com estrutura silábica própria, mas também é usada como nome comum (por exemplo, “laser”, sida e óvni). Nas siglas, D’Silvas distingue três tipos: os siglóides, siglas cujas letras constituintes são soletradas (por exemplo, EUA); os siglemas,1 siglas escritas em maiúsculas que têm estrutura silábica, sendo, por isso, pronunciadas como palavras (por exemplo, PALOP); e os siglónimos, siglas também escritas em maiúsculas, as quais são usadas como nomes próprios (por exemplo, UNESCO). Podem-se tornar acrónimos tanto os siglemas como os siglónimos, quando entram no léxico corrente como nomes comuns ou próprios, escrevendo-se os primeiros com minúsculas (“laser”) ou eventualmente com maiúscula inicial (por exemplo, Palop) e os segundos apenas com maiúscula inicial (Unesco).
Maria Regina Rocha segue as definições do Dicionário de Linguística, da Terminologia Linguística para o Ensino Básico e Secundária (TLEBS) e do Grande Dicionário da Língua Portuguesa. Para esta nossa consultora, sigla e acrónimos são entendidos do seguinte modo (comunicação pessoal):
«As siglas são abreviaturas formadas pela sequência das iniciais das palavras que compõem o nome de uma entidade, uma instituição, um organismo, um partido político, uma federação de países, uma força de intervenção, um programa, uma doença, um imposto, etc., constituindo uma nova denominação: CCB – Centro Cultural de Belém; OMS – Organização Mundial de Saúde; EUA – Estados Unidos da América; FMI – Fundo Monetário Internacional; IRS – Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, etc.
Quando a sigla se ajusta às regras fonológicas da língua portuguesa, pronunciando-se de forma contínua como uma palavra normal não soletrada, dá-se-lhe a designação de acrónimo: ETAR – Estação de Tratamento de Águas Residuais.»
Sobre este assunto, Maria Regina Rocha reconhece, porém, que nem sempre há consenso quanto ao uso de siglas estrangeiras e das suas correspondentes em português, pelo que faz falta a intervenção de uma entidade investida do poder para definir e orientar a norma:
«[...] dada a inexistência de convenção ou acordo em Portugal a respeito da utilização de siglas, será de exigir dos responsáveis pela política da Língua (Academia das Ciências de Lisboa, Sociedade de Língua Portuguesa, Instituto Camões, Instituto Internacional da Língua Portuguesa…) a definição de princípios a adoptar, de modo a que, quando surja uma sigla estrangeira, seja de imediato definida qual a correspondente em Portugal, para que haja alguma uniformidade e se defenda a Língua Portuguesa.»
Parece-nos que os termos propostos por D’Silvas Filho, por um lado, e por Maria Regina Rocha, por outro, não são contraditórios, inserindo-se em perspectivas com adequação descritiva. Note-se que na classificação de D’Silvas Filho intervêm aspectos atinentes ao grau de lexicalização que o uso das maiúsculas e das minúsculas visa representar. Na proposta de Maria Regina Rocha prevalece o critério fonético, igualmente legítimo.
Em conclusão, e voltando à pergunta do consulente, recomendamos o uso da abreviação FINUL como adaptação portuguesa de UNIFIL. Reconhecemos, porém, que num estilo menos exigente com a capacidade expressiva da nossa língua se usa a sigla em inglês – UNIFIL.
Cf. Siglas e acrónimos – CTOC + Siglóide e acrónimo + Siglas e acrónimos, mais uma vez + NATO/OTAN
Nota: Ausente do país, só agora tive conhecimento da resposta “UNIFIL vs. FINUL”. Ora como nela são indicados pareceres de minha autoria, sinto a necessidade de esclarecer melhor a minha opinião nos casos em que os assuntos não ficaram bem claros na resposta.
Os termos siglóide, siglema e siglónimo não são invenção minha. Estão registados no Dicionário Houaiss e fazem parte do Completo Vocabulário da Academia Brasileira de Letras, obras em que me inspirei.
Começo por corrigir a resposta dada, indicando que siglema é um substantivo feminino.
Distingo entre siglema (sigla que pode ser lida sílaba a sílaba, ex.: PALOP, e escrita normalmente com todas as letras em maiúsculas) e acrónimo (palavra já do léxico da língua, ex.: sida, que se escreve normalmente em minúsculas).
Costumo mostrar a diferença que existe, para mim, entre uma siglema e um acróni-mo, na siglema LASER, pronunciada ¦lâi¦ e no acrónimo láser, para alguns autores assim correctamente pronunciado (laser como palavra do léxico pronunciada ¦lei¦ contraria a índole da língua: assemelha-se ao mamarracho toilete de Academia pronuncia-do ¦tua¦, quando os brasileiros sabiamente têm toalete...).
Também contrariamente ao que está escrito na citada resposta, não são os siglóides (estes são siglas soletradas letra a letra, como EUA) mas são os siglónimos que podem converter-se em acrónimos quando, e se, formam palavras que obedecem à índole da língua, ex.: Petrobrás, assim escrito com acento no Vocabulário da Academia Brasileira de Letras.
No entanto, sublinho, como sempre, que não me arrogo autoridade para estabelecer doutrina na língua, nem pretendo opor-me a regras que tenham sido superiormente estabelecidas. Respeito quem não distingue siglema de acrónimo. Isso não me impede de procurar `sentir a língua´, como sabiamente preconiza o mestre no idioma Prof. Dr. Neves Henriques. Ora há siglemas que, para mim, não são palavras legítimas no léxico.
Finalmente, quanto à designação da entidade objecto da resposta, não me repugna nada que num texto sem responsabilidade especial ou com projecção fora do país se escreva UNIFIL, pois é essa a designação internacional (como já não me repugna que, nas mesmas condições se escreva NATO). A protecção do nosso património linguístico, agora mais do que nunca necessária, não nos obriga também a que sejamos xenófobos.
Quanto a chamar-se intermediária ou não, escolhi o termo por ter encontrado esse significado do inglês “interim” num dos dicionários que possuo, e por me parecer mais adequado; mas não faço questão. Se a ideia inicial (de há vários anos...) terá sido que era provisória (e agora talvez por tempo indeterminado...), pois que se designe por interina.
D’Silvas Filho ®
1Embora o nosso colaborador D'Silvas Filho use siglema no género feminino, achamos que este termo deverá ser masculino, à semelhança de todos os que apresentam o sufixo -ema (cf. Dicionário Houaiss, s.v. -ema. C.R.
2Sobre o gé[ê]nero de siglema, que no Dicionário Houaiss está consignado como substantivo feminino, parecendo contrariar o preceito de os nomes sufixados com -ema serem todos masculinos (cf. mesmo dicionário), considerou D'Silvas Filho necessário esclarecer o seguinte:
«É muito pertinente a observação do meu apreciado colega consultor Dr. Carlos Rocha. Em abono da sua opinião, a Academia Brasileira de Letras regista siglema como substantivo masculino. Assim, quando afirmei que siglema é uma substantivo feminino, deveria ter acrescentado: `seguindo também o critério Houaiss´.
Repare-se que estamos em presença de duas opiniões antagónicas igualmente idóneas. Nestes casos, costumo orientar-me pela minha própria sensibilidade na língua. Para frisar bem que siglema é `uma´ sigla e não `um´ acrónimo, agrada-me mais que tenha o género feminino, na linha do Houaiss.
Quanto à regra, correctamente referida pelo Sr. Dr. Carlos Rocha, lembro que a nossa língua apresenta excepções às regras com abundância. As diversas gerações de comunidades linguísticas vão alterando a língua ao sabor das suas preferências. No caso do género, lembro por exemplo, que temos o grama, o clima, o mapa, e também a foto, a tribo. É uma língua insubmissa, que aceita a versatilidade, o quadro pictórico de grande variabilidade. Daí a profundidade que permite na expressão subliminal e na poesia.».