É agora fácil o novo acordo ortográfico (de 1990) poder entrar em vigor, pois foi votado, em reunião na CPLP, que, para isso, bastam três países signatários tomarem essa decisão. Consta que o Brasil pressiona nesse sentido, e penso que não haverá obstáculo da parte de Cabo Verde, que, desde os primeiros tempos, ratificou o novo acordo. Portugal também já o ratificou, e a marcação da data da sua entrada em vigor aparentemente pode estar iminente.
Lembro, no entanto, que uma das condições de entrada em vigor do acordo de 1990 (artigo 2.º) é que, antes, seja publicado um Vocabulário Comum. De fa(c)to 1, se há palavras que se sabe já exactamente {exatamente} como irão ficar, para muitas isso só se saberá depois de publicado esse Vocabulário, que servirá de referência, pois na sua falta haverá risco de arbitrariedade na escolha da grafia das palavras.
Na realidade, portanto, o novo acordo ainda não entrou em vigor na comum língua nem há data marcada para que isso aconteça. Assim, não é legítimo em Portugal ado(p)tar {adotar}: {ação, ótimo}, com supressão de consoantes não articuladas, ou outras formas diferentes recomendadas no novo acordo. Mesmo depois de marcada a data de entrada em vigor, estas formas diferentes só serão admissíveis como informação ou experiência de adaptação 2. O senso comum diz-nos que `a escrita exclusivamente na nova grafia´ unicamente será admissível a partir da data em que não se possa escrever na actual {atual} norma. Caso contrário, cria-se uma barafunda ortográfica desprestigiante para a língua. Penso que ninguém de bom senso o fará na administração ou nos órgãos de comunicação social. No ensino, depende do prazo para entrada em vigor. Convenhamos que, aí, os formandos devem ficar preparados para o futuro e que, rapidamente, os manuais devem mostrar as diferenças. Em Ciberdúvidas, ensaiei repetir, entre chavetas, as palavras que mudam no novo acordo, como se pode observar neste texto (notando-se que, no presente caso, não são muitas; mas que incidem realmente sobre palavras frequentes 3 na língua...).
Acresce que, independentemente da necessidade de haver um Vocabulário Comum, o período de adaptação (para substituir dicionários e outras obras didácticas {didáticas}) não deverá ser curto. Repare-se que, por exemplo, a TLEBS está meramente em experiência durante três anos...
Sou um defensor do novo acordo, porque o julgo útil para a unificação na língua, mas penso que uma mudança ortográfica, alterando tudo o que é escrito no país, com importantes implicações económicas e perturbando inúmeras pessoas habituadas a escrever como sempre fizeram, durante muitos anos, não se pode impor de ânimo leve. Esperemos que o Governo de Portugal proceda com a necessária ponderação neste assunto,.
NOTAS:
1 – O Vocabulário Comum terá duplas entradas: para facto e fato, para económico e econômico. Assim, as palavras não mudam, quer em Portugal, quer no Brasil. Notar que muitos dicionários já vão indicando duplas entradas Portugal/Brasil. A diferença no Vocabulário Comum é que todas as entradas serão legítimas, quer num país quer no outro.
2 – O `p´ em adaptação é sempre pronunciado, e, por isso, não cai no novo acordo.
3 – O trema será abolido também para o Brasil.
Note-se ainda: a) No texto acima, com cerca de quatrocentas e cinqu[ü]enta palavras, haverá seis palavras diferentes para Portugal e uma para o Brasil. b) No caso de o acordo já estar em vigor, salvo arranjos sintácticos particulares, este texto poderia ser ortograficamente o mesmo para todo o universo da `comum língua´.