O indevido emprego do adjetivo humanitário em vez de humano – neste apontamento do autor no blogue Tudo Menos Economia.
No contexto de globalização e de "torre de Babel" linguística em que se vive, a usura das palavras e expressões segue a um ritmo alucinante. E, em paralelo, a língua portuguesa vai servindo de barriga de aluguer de outros tantos vocábulos (mal) importados.
Há uma catadupa de vocábulos assimilados pela epiderme e digeridos pela iliteracia, às vezes pretensamente snobe. Por exemplo, em vez de se dizer «supõe-se que o homem não se apercebeu como o projecto foi realizado», diz-se agora profusamente «é suposto que o homem não realizou como o projecto foi implementado».
Mas o que me traz agora à escrita, é o indevido uso da palavra humanitário que talvez advenha de uma distorcida importação do inglês humanitarian. Enquanto adjectivo, significa que «proporciona ou promove o bem-estar humano e social». Por isso se pode falar de valores humanitários, ajuda ou auxílio humanitários, programa humanitário, cooperação humanitária ou acolhimento humanitário.
O que está errado é usar o adjectivo em situações que são tudo menos humanitárias. Por exemplo, catástrofe humanitária, tragédia humanitária, desastre humanitário, crise humanitária. Ou será que a tragédia é humanitária, em vez de humana ou social?
Franz Kafka disse um dia que «uma das coisas que devemos sempre respeitar é a língua, porque ela nos une». Por mim, sei que não posso evitar todos os erros, mas vou tentando e corrigindo.
N.E. (agosto de 2021) — A confusão no emprego de ambos os adjetivos voltou a ser recorrente com o regresso a poder dos talibãs no Afeganistão e o cenário subsequente em matéria dos direitos das mulheres, nomeadamente. Erradamente, por exemplo, quando se refere que a ONU alerta para crise humanitária no Afeganistão e certo quando se escreve "Tragédia Humana iminente" no Afeganistão, ou no caso do acolhimento de refugiadas afegãs: Empresas portuguesas que querem contratar afegãs dizem que vai ser aberto corredor humanitário.
in blogue Tudo Menos Economia, de 16/02/2015. Manteve-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico, seguida pelo autor.