«(...) Não haver adjetivos levava a que Adão e Eva, quando queriam comunicar algo menos substantivo, o tivessem de fazer por metáforas. (...)»
No princípio não havia adjetivos. Só havia substantivos, como o sol, a terra, o céu, a serpente, etc.
E também havia o verbo, claro, mas isso todos sabemos das escrituras. Consta que Deus, quando construiu o homem à sua imagem, terá, com receio de críticas futuras, ordenado:
– Não me adjetiveis.
Ora o não haver adjetivos levava a que Adão e Eva, quando queriam comunicar algo menos substantivo, o tivessem de fazer por metáforas. Mas estar sempre sempre a arranjar metáforas cansava-os sobremaneira. Era o que pensava Adão: se inventasse os adjetivos poderia descansar um pouco mais das metáforas que tanto lhe custava encontrar. Mas, naturalmente, tinha receio da ira divina. Os adjetivos podiam ser para não adjetivar Deus, é certo, porém, cedo ou tarde, poderia acontecer. E andava Adão, qual adepto do peripatetismo, de um lado para o outro do paraíso, a pensar nestas coisas, quando viu Eva. Eva estava assim como uma borboleta tomada pela brisa do pôr de sol e, com uns olhos que irradiavam uma luz desconhecida, disse a Adão:
– Oh, Adão, olhei para a serpente e fiquei assim não sei quê.
– Assim, como?
– Assim como aquele ribeiro tão fresquinho, cheio de entusiasmo, 'tás a ver?"!
E dito isto, sem pensar no que fazia, agarrou numa maçã. Adão ainda tentou evitar a sucessão de acontecimentos, mas ficou paralisado. Eva deu uma dentada na maçã e disse:
– Hmmm... Se sabe bem esta maçã! Deus é mesmo cupidíneo!
E Deus apareceu, furioso e não cupidíneo. Estavam inventados os adjetivos.
Crónica do escritor Fernando Évora, transcrita, com a devida vénia, da revista ASSESTA, da Associação de Escritores do Alentejo, de junho de 2023.