1. Notícias
a) A Academia das Ciências de Lisboa (ACL) anunciou uma nova edição do Vocabulário da Língua Portuguesa, com os neologismos de uso corrente generalizado, incorporados no léxico comum ao longo dos últimos quarenta anos.
Sublinha que este vocabulário será realizado nos termos do Acordo Ortográfico (1990). A publicação será feita pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda.
Fala num futuro vocabulário comum da lusofonia, com a contribuição de todos os países signatários e da Galiza. No programa Páginas de Português realizado pelo Ciberdúvidas na Antena 2, em 5 de Julho de 2009, o professor Artur Anselmo esclareceu que será um vocabulário resumido, com cerca de 60 000 a 70 000 entradas, com base no vocabulário de Rebelo Gonçalves, completando e actualizando a obra da ACL de 1970.
Não será, portanto, exaustivo como o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) brasileiro, considerando que este contém muitos lexemas regionais não usados em Portugal. Terá duplas grafias (falou em triplas e em quádruplas…, o que me pareceu excessivo, pois estas serão já muito raras).
O financiamento virá das vendas da editora. O texto será entregue para impressão em princípio de Outubro [de 2009], e a publicação estará nas bancas no fim do ano corrente.
Quanto ao vocabulário comum, disse, como era de esperar, que os diversos países signatários terão depois de se entender.
Concluiu, sensatamente, que é preferível os assuntos serem estudados com profundidade a serem-no com precipitação.
b) Na mesma emissão, o professor Malaca Casteleiro informou que tem em estudo um dicionário ortográfico e de pronúncia do português europeu, com muito mais de 100 000 entradas. Esta obra inclui morfologia, flexões (também verbais) e, além da ortografia, também a fonética, com base no dicionário da ACL 2001, no Grande Dicionário da Porto Editora e noutros trabalhos. Depreende-se que não é propriamente um dicionário, com acepções.
As bases de estudo serão: o vocabulário de Rebelo Gonçalves e o de José Pedro Machado. O projecto foi iniciado em Novembro de 2008 e estará concluído em Outubro de 2010. Foi financiado com 70 000 euros de dinheiros públicos, instalações e logística. O projecto terá de encontrar ainda uma editora interessada na publicação.
2. Comentários
2.1 Academia das Ciências de Lisboa
a) O vocabulário da Academia das Ciências de Lisboa (ACL) tem a vantagem de permitir rapidamente pôr o novo Acordo Ortográfico em vigor, dado que uniformiza aí as variantes do português europeu. Sem esta uniformização legal (ainda não foi retirada à ACL o direito de fazer lei na língua) continua a não ser aceitável que o novo acordo entre em vigor. As publicações comerciais já existentes apresentam soluções algumas vezes díspares, e o VOLP brasileiro não contempla muitas das nossas variantes (referências várias foram feitas aqui no Ciberdúvidas). Há pressa em ter um vocabulário para o novo AO entrar em vigor, para haver acompanhamento português no esforço que o Brasil está já a fazer na lusofonia com o seu VOLP, publicado no início deste ano.
Este vocabulário resumido da ACL tem o inconveniente de ser uma solução minimalista em relação ao VOLP brasileiro, de 350 000 entradas. Portugal não ficará muito prestigiado na lusofonia. Espera-se que possa haver, depois, um VOLP do português europeu mais completo. Fica a dúvida sobre como será a sigla deste vocabulário resumido da ACL. Lembra-se que o Brasil foi buscar a sua sigla ao Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) da ACL de 1940, que aliás constituiu a base para o vocabulário brasileiro nessa altura (bons tempos estes da Academia portuguesa…). O vocabulário agora em estudo da ACL, na comunicação à imprensa intitulado Vocabulário da Língua Portuguesa, será só VLP? Enquanto não houver sigla oficial, designarei o brasileiro por VOLP PB e o da ACL resumido por VOLP PE.
b) O facto de a ACL falar num vocabulário comum, com a contribuição de todos os países signatários e da Galiza, significa que a ACL interpretou bem o espírito do Acordo de 1990. Esta reforma ortográfica planetária da língua portuguesa só se concretizará quando houver um dicionário comum para toda a lusofonia, no qual se poderão encontrar as diversas variantes legais no universo da língua. Isto implica a necessidade prévia de haver um acordo quanto a um vocabulário comum.
c) Independentemente dos encargos com a publicação, há encargos com o estudo. Parte-se do princípio de que a ACL dispõe já de verbas para esse fim, pois que ainda há pouco tempo afirmava que não tinha disponibilidades para elaborar um VOLP PE.
d) Enquanto a ACL continuar a ter sérias responsabilidades oficiais na língua, não pode de novo sujeitar-se a críticas como aquelas que lhe foram feitas no dicionário 2001, que apadrinhou. Esse dicionário apresentava muitas virtualidades, nomeadamente ser de facto contemporâneo e não uma cópia de outros, trazer a novidade da pronúncia e muitas abonações; mas enfermava de um excesso de abertura a barbarismos, que escandalizou as pessoas extremosas na língua.
Supõe-se que para este projecto a ACL terá reunido uma equipa competente alargada e multidisciplinar. Não basta o apoio dos dois mencionados professores Maria Helena da Rocha Pereira e Aníbal Pinto de Castro. Já será de louvar se estes catedráticos conseguirem fazer um trabalho completo de coordenação e uniformização científica.
Sublinha-se que a cópia simples do VOLP PB é inaceitável, pois algumas das nossas variantes costumam ter preocupações etimológicas mais exigentes (ex.: húmido e não a única entrada úmido do VOLP PB). Por outro lado, espera-se que algumas soluções brasileiras aceitáveis sejam ponderadas, como, por exemplo, as brasileiras escâner, estresse, toalete, preferíveis a algumas que têm sido publicadas ultimamente em Portugal: a criticável *scaner (sc inicial está abolido da língua desde o princípio do século passado); a inaceitável *stresse (st inicial sempre se converteu do latim em es); a incompreensível *toilete pronunciada tuà (o encontro vocálico oi, nunca foi entre nós o ditongo uà).
Certamente que para a execução pormenorizada e laboriosa dos verbetes (pesquisa, recolha, tratamento informático) terão sido incumbidos colaboradores mais jovens, dada a idade provecta em média dos académicos da ACL. Isto porque, partindo do princípio de que o trabalho não terá começado há muito tempo, digamos um mês, temos cerca de 16 semanas e 5 dias, até Outubro (com Agosto de permeio…), o que dá a necessidade de análise de quase 1000 verbetes por dia, atendendo ao tempo depois disponível para a organização e revisões finais. Esperemos que a data prometida pelo professor Artur Anselmo se realize. Portugal está cansado de promessas que acabam por não se cumprir ou por serem depois realizadas «em cima do joelho» como diz o povo. Não era nada gratificante para Portugal que a ACL se sujeitasse agora a críticas no seu vocabulário.
2.2 O que se espera do prof. Malaca Casteleiro
A língua muito deve ao professor Malaca Casteleiro, pelo seu espírito de inovação e pelo esforço que tem feito na elaboração dos projectos e acordos ortográficos, em colaboração com os também reputados cientistas do Brasil. O trabalho que agora tem em projecto parece ser muito útil e, pelo menos, é mais ambicioso do que o da ACL. Faz-se votos para que não insista nos termos que escandalizaram a comunidade linguística no seu dicionário da Academia 2001.
Este vocabulário não resolve o problema da urgência em termos um VOLP do português europeu, nem há a certeza de que tal trabalho faça lei na língua.
3. A dispersão de esforços
Lembra-se, muito vivamente, de que devem ter também uma palavra a dizer no VOLP PE oficial outras entidades muito competentes na língua, como o ILTEC, e que há um acervo linguístico considerável no Centro de Linguística da Universidade de Lisboa.
Em Portugal, parece que os sucessivos poderes fazem gala em que volte tudo à estaca zero, perdendo-se tempo e meios, só para politicamente não aceitarem o que de positivo outros fizeram; e essa “falta de unidade” trava a comunhão de esforços, que é multiplicativa. Na língua, a “falta de unidade” é também gritante. Temos o Instituto Camões dependente do Ministério dos Negócios Estrangeiros; temos o empenho na língua do Ministério da Cultura; não deixa de ser fundamental na língua o Ministério da Educação; e, finalmente, temos, arvorando-se de autoridade na língua, a ACL, dependente do Ministério da Ciência e da Tecnologia… Cada um com a sua capelinha.
Assim, o que legitimamente os portugueses perguntam é para quando Portugal terá uma Academia Portuguesa de Letras, como têm os países que respeitam a sua língua, nomeadamente a Espanha, com a prestigiada Real Academia da Língua Espanhola, ou o Brasil, com a sua ilustre Academia Brasileira de Letras. Uma Academia Portuguesa com um escol de linguistas e escritores respeitados, que verdadeiramente superintendesse na língua, não só por princípio hierárquico estabelecido, mas onde estivesse representada a superior competência linguística ou artística nas letras, do país.
Este desprezo pela importância fundamental do património linguístico é bem uma responsabilidade de todos os governos, que frequentemente parecem estar mais preocupados com os problemas corporativos dos partidos do que com os valores nacionais.
4. O papel do Ciberdúvidas
Que fique bem claro que as minhas preferências, críticas ou atitudes, algumas vezes mais duras, sobre as entidades das quais depende a língua não comprometem em nada Ciberdúvidas. São sempre de responsabilidade pessoal.
Nas palavras lapidares do seu fundador, o jornalista José Mário Costa: «Ciberdúvidas existe para esclarecer, noticiar e debater tudo à volta da nossa língua. Sem tabus nem preconceitos. Nem capelinhas. Ponto de honra!»
É, portanto, no espírito de liberdade pessoal assim generosamente concedido que me exprimo frequentemente com veemência, procurando traduzir o amor pela nossa língua portuguesa, bem precioso que todos, consultores e os seus inúmeros consulentes, sempre procuramos dignificar e defender, neste amplo fórum de unidade e estudo.