Não tenho nada a acrescentar ao que o consulente decidiu partilhar com o Ciberdúvidas. Trata-se de uma proposta teórica e descritiva que me parece coerente. Boa sorte para a sua aplicação.
Na sequência das nossas últimas comunicações, envio uma reflexão sobre o predicado.
Sou professor do 2.º ciclo.
A hora de tratar a sintaxe é também a hora do meu constrangimento.
Pelas razões que se seguem.
Comentamos:
– O predicado ou é verbal ou não verbal. Comentário: não há predicado sem verbo, portanto é sempre verbal.
– Verbal, porque significativo; nominal, porque não significativo. Comentário: é difícil demonstrar que verbos como ter e fazer sejam muito mais significativos do que os verbos ser e estar, por exemplo.
– O verbo do predicado verbal pode ser transitivo ou intransitivo. Comentário: passou-se de um critério de significação para um critério de mobilidade.
– Comentário global: verbo e nome são do plano da palavra, e predicado é do plano da frase.
Ainda e mais uma vez, a mistura de planos e de conceitos… e as perplexidades do costume. Basta acompanhar o Ciberdúvidas…
Propomos, para reflexão, uma abordagem que se pretende una, coesa e consequente:
Comunicar é transmitir informação. Na comunicação linguística, a informação transmite-se numa estrutura trinitária, que parece comum a todas as expressões do conhecimento humano: a tese/antítese/síntese da filosofia, a equação da matemática, o esquema actancial da narrativa, o esquema da comunicação… a santíssima trindade do catolicismo…
No caso vertente, a matriz é: acerca de algo /predicar/ algo.
É uma matriz curta, mas de relações complexas. Para as compreender, é necessário precisar bem os conceitos implicados.
Predicar é a função principal.
Desdobrando predicar: predicação, predicador, predicativo e predicado.
São estes os conceitos das relações possíveis na matriz da comunicação linguística.
Assim definidos:
– predicação: relação abstrata do predicado com o referente (sujeito);
– predicador: agente da predicação;
– predicativo: conteúdo da predicação;
– predicado: predicação concretizada.
Ao concretizar a predicação, o predicado pode ser:
– quanto à predicação, aditivo (a, b, c) ou reflexo (d);
– quanto ao predicador, suficiente (a), insuficiente (b, c, d);
– quanto ao predicativo, simples (a) ou composto (b, c, d);
Nota: a predicação é uma entidade abstrata, meramente teórica; o predicador e o predicativo são os verdadeiros operativos das funções sintáticas.
Exemplificamos:
a) O João escorregou.
b) O João partiu uma perna.
c) O João foi ao hospital.
d) O João ficou curado.
Funções sintáticas:
a) O João (referente) escorregou (predicador suficiente);
b) O João (referente) partiu a perna (predicado composto) partiu (predicador) a perna (modificador complementar do predicador);
c) O João (referente) foi ao hospital (predicado composto) foi (predicador) ao hospital (modificador suplementar do predicador);
d) O João (referente) ficou curado (predicado composto) ficou (predicador) curado (modificador intrínseco do referente).
Notas:
– modificador é aqui tomado como tudo o que interfere na significação de…
– é o conceito de modificador intrínseco do referente que conduz ao nome predicativo de sujeito (na nossa opinião, tão confusamente tratado pelas bíblias atuais).
Esta análise é simples, unitária e cobre todo o espectro significativo do predicado.
E permite ainda desmontar alguns mitos instalados:
a) o sujeito
– o sujeito é muitas vezes entendido como agente da oração; daí, o verbo transitivo, o intransitivo, o agente da passiva, as excepções…; comentário: aquilo a que se chama sujeito é, sempre, o referente do predicado (o verdadeiro agente/autor da frase é o comunicador);
b) o predicativo do sujeito
– predicativo do sujeito é tradicionalmente relacionado com um determinado predicado, alegadamente integrado por um dos verbos que constam de uma determinada lista; comentário: todos os predicados são, por definição, predicativos do sujeito (o que nem todos são é reflexos, ou seja, nem todos integram um predicativo intrínseco/imanente ao sujeito);
c) o predicativo do complemento direto
– o predicativo do complemento direto outra coisa não é senão a transposição, para português, do que acontece nas orações integrantes latinas, pelo que: o médico considerou que o João estava curado = o médico (referente) considerou (predicador) o João (modificador complementar do predicador) curado (modificador intrínseco do modificador complementar);
d) verbos transitivos indiretos
– não há verbos transitivos indiretos, porque não há complemento indireto sem complemento direto, pela mesma razão que não há segundo sem primeiro; quando se diz Cristo falou-lhes (aos discípulos), o verbo falar não é nenhum verbo transitivo indireto, porque falar significa dizer alguma coisa, logo Cristo disse coisas (complemento direto) aos discípulos (complemento indireto);
– nota: quando se perde a inspiração semântica, a sintaxe fica reduzida a subcapítulos da física (transitivo/intransitivo), da geometria (reto/oblíquo)… em vez de ser aquela estrutura mental, flexível e dinâmica, com que organizamos e comunicamos, linguisticamente, todo o conhecimento: em vez de ser, pois, aquele ato criador, capaz de acolher todos os níveis de língua, todas as funções da linguagem, todas as literaturas… No princípio era o Verbo…
e) o agente da passiva
– a forma passiva e as outras formas da frase são apenas isso mesmo – formas; o agente da passiva assenta no equívoco do sujeito como agente; a voz passiva é uma conjugação composta como outra qualquer; exemplo: a perna (sujeito) foi partida pelo João (predicado composto) foi partida (predicador insuficiente) pelo João (modificador complementar do predicador);
– nota: a forma passiva implica a autonomia do predicador relativamente ao predicativo; por isso, funciona como teste da distinção entre predicador insuficiente com modificador complementar e predicador insuficiente com modificador suplementar…;
f) complemento circunstancial
– o tradicional complemento circunstancial não distingue situações de natureza diferente; a presente análise permite defini-lo como modificador e relacioná-lo com a predicação, com a frase ou com o texto; exemplo:no dia seguinte (modificador de texto/narrativa), o João (referente), infelizmente (modificador de oração), foi ao hospital (predicado composto) foi (predicador insuficiente) ao hospital (modificador do predicador);
Nota: Esta perspectiva tem consequências óbvias na classificação das palavras, como veremos a seguir.
Conclusão: no ensino básico, separar a sintaxe da semântica é completamente inútil e dolorosamente frustrante!
Não tenho nada a acrescentar ao que o consulente decidiu partilhar com o Ciberdúvidas. Trata-se de uma proposta teórica e descritiva que me parece coerente. Boa sorte para a sua aplicação.
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