Os argumentos de quem está muito assustado com o novo Acordo e aparece na liça a combatê-lo são comuns, repetitivos. Rebato-os a seguir, ponto por ponto, mais uma vez.
Sacrifício feito ao Brasil
Aqueles que resistem ao novo Acordo apresentam argumentos nacionalistas, dizendo que há no novo Acordo subserviência ao Brasil.
Na minha página pessoal na Internet, www.dsilvasfilho.com, em "Problemas ortográficos" (> Linguística), pode verificar-se, no capítulo do "Novo Acordo Ortográfico" e nas anotações a verde, que há 18 alterações de forma `não´ facultativas para o Brasil (tópicos de exemplo: alfabeto, -oo, -eia, -eico, baiuca, para, polo, pela, -eem, -oi-, frequente, paraquedas etc., micro-ondas etc., antirreligioso etc., cosseno etc., autoestrada etc., coopositor, bibliónimos, etc.).
Ora se somarmos as alterações de forma para Portugal, temos mais as alterações nas consoantes não articuladas (ct, cc, cç, pt, pc, pç), os pormenores de simplificação como fim de semana, hei de, fulano, outubro, disciplina de matemática; mas há mudanças para o Brasil que são grafias usuais em Portugal: -eico, -oo, -eia, baiuca, frequente.
Onde é que está a subserviência? Sobretudo em acabarem as consoantes não articuladas? De facto as alterações são neste caso numerosas para Portugal, dado que as palavras com consoantes mudas são uma praga no português europeu. É só isto que engrossa a estatística brandida pelos opositores. Fazem por ignorar que, nas alterações de forma combinadas entre os dois países, há cedências dum lado e do outro, para se conseguir a unidade. Unidade que, aliás, é impressionante em quase todos os pontos das duas normas ortográficas, com exclusão de muito poucos casos, como este das consoantes mudas, que constitui, assim, um desentendimento incompreensível.
Incompreensível agora, pois, com embalagem na corajosa revolução de 1911 na língua, Portugal em 1931 já tinha feito um Acordo escrito com o Brasil no objetivo de se acabar com as consoantes não articuladas. Só que depois Portugal não cumpriu com essa combinação em 1945, em plena era dos nacionalismos salazaristas (que, se excessivos, deixam a dúvida de não serem hoje os mesmos) e da ufania do império colonial.
Este conservadorismo era (e é) francamente desnecessário pois não há razões técnicas válidas (veja-se accionar, didáctica, e, num outro aspeto, note-se que pegada ou "a distinção entre pega ave e pega forma verbal" não precisam para nada de consoantes mudas para mudar o timbre da vogal). Assim, o Brasil não acatou a nossa prepotência nessa altura; e o que fazemos agora não é mais do que cumprir finalmente com a nossa palavra de responsável progenitor na língua. Veremos se os nacionalistas portugueses poderão continuar no seu orgulho do passado quando os brasileiros catequizarem mais países a seguirem-nos no novo Acordo, além daqueles que já passaram para o seu lado.
Repare-se que não é por se suprimirem as consoantes mudas que a língua deixa de ser predominantemente etimológica, como convém que seja para se adaptar bem a várias pronúncias. Quem teve o cuidado de efetivamente analisar o novo Acordo (só, por exemplo, nas Bases II, III e V) não pode deixar de concluir que houve a preocupação de respeitar a história das palavras. Recomenda-se vivamente esta análise no texto original, antes de se fazer comentários sobre a tendência exclusivamente fonética do novo Acordo. As meias-verdades não são aceitáveis em pessoas de reconhecida honestidade intelectual.
É também indiscutível que a língua fica mais simples na aprendizagem sem as consoantes mudas; e não nos venham dizer que é fácil explicar a uma criança porque baptismo precisa de um p ou porque electricidade precisa do primeiro c. Fica também um pouco mais simples (mas ainda não o necessário) nas regras do hífen, nas das maiúsculas e nos acentos `das poucas palavras que os tinham para evitar confusões com termos caídos em desuso´.
Não vejo o estudo da língua como um contraditório político, ou debate de emoções, mas uma análise de factos concretos.
A barafunda das duplas grafias
Não é verdade que o Acordo de 1945 tenha eliminado completamente as duplas grafias do nosso léxico europeu. Lembre-se por exemplo ervanário e herbanário que aparecem nos dicionários, ou tenha-se o cuidado de estudar todos os casos de inúmeras entradas que remetem para outras nos dicionários mais completos.
É verdade que, para evitar as duplas grafias António e Antônio, o acordo de 1945 considerava que o acento agudo poderia funcionar como circunflexo nos casos de diferença de timbre; mas temos de aceitar que a ideia era bizarra, e não admira que os brasileiros não a tenham seguido.
Sacrifício das editoras portuguesas nos países africanos
Esta é na verdade uma questão da maior importância, que deve ser ponderada com cuidado, pois o mercado brasileiro permite muito maiores tiragens que o português. Isto será relevante nos dicionários. Mas sê-lo-á nos livros destinados ao ensino? O mercado a ter em consideração não será sempre aquele a que estes livros de ensino se destinam?
Sublinha-se que o que tem havido é um favoritismo gentil destes países de língua oficial portuguesa no facto de seguirem a ortografia europeia, diferente da do Brasil. Mas se o Brasil avançar, como já pode, com o novo acordo, lá se vai o favoritismo em todos os países que preferirem a grafia unificada e um pouco mais simples. Então, ficaremos nós blindados por nosso lado. Os políticos que tomam presentemente as decisões neste caso, e demonstraram coragem noutros, devem também ponderar esta hipótese desfavorável.
As editoras portuguesas com visão de futuro já estão a dizer que lhes basta um período de adaptação de 4 a 5 anos. Outras estão já a montar as suas gráficas em países de língua oficial portuguesa; e, neste caso, será o nacionalismo desses países que tenderá a preferir produtos neles realizados e provavelmente mais económicos, sem custos de longos transportes.
Falta o vocabulário comum
Pois falta. Mas este argumento para a não ratificação é falacioso, pois o vocabulário só é indispensável quando o acordo entrar mesmo oficialmente em vigor. Nada impede que a ratificação seja feita agora, como decisão sem retorno, e que o vocabulário comum apareça depois. Aliás, consta que é possível Portugal ter pronto um vocabulário moderno de 150 000 entradas em poucos meses. Em conjunto com o completo vocabulário da Academia Brasileira de Letras, de 1998, e com recurso à atualização do também completo Vocabulário da Academia das Ciências de Lisboa de 1940, seria possível uma equipa de lexicógrafos de boa vontade combinar rapidamente esse Vocabulário Comum.
Note-se que as dúvidas que presentemente o exigem até não são muitas. É perfeitamente possível, escrever já com base no novo Acordo unicamente com recurso às obras publicadas que têm termos do futuro, como, por exemplo, o "Prontuário" da Texto Editores.
O novo Acordo vai trazer muitos custos económicos.
Claro que vai. Mas também a reforma de 1911, o acordo de 1945 e até a simples alteração de 1973 (palavras derivadas) trouxe custos económicos, pois obrigou a novas impressões para a nova ortografia. É preciso não esquecer, porém, que esse obstáculo impediria sempre mudanças na ortografia da língua, quaisquer que elas fossem e que as implicações económicas não inibiram os corajosos políticos do passado.
O adiamento da ratificação de Portugal ao Protocolo, prometido ao Brasil para 2007, é um mau sintoma quanto à alardeada coragem dos nossos governantes.
O novo acordo é uma confusão
O estudo foi elaborado por distintos linguistas, que devem ser respeitados. Há neste país uma indelicadeza generalizada para os estudiosos da língua (quando estes sugerem mudanças) como se cada um dos `indelicados´ fosse dono ou um guardião do património linguístico, afinal comum. O que se passou no caso da TLEBS é paradigmático. Considerou-se, muitas vezes com termos ofensivos, que a TLEBS devia ser ignorada, que fosse mesmo considerada de todo inaceitável. Ora, afinal a TLEBS depois da Revisão volta com o mesmo nome, incluindo cerca de 60% dos mesmos termos e mais aproximadamente 100 novos termos...).
O defeito que o novo acordo tem é de ser insuficiente… na mudança… Quem o estuda conclui que, pelo contrário, houve um esforço de conseguir a uniformidade com um mínimo de alterações possíveis, depois do chumbo alarmista da proposta inovadora de 1986.
Também se diz que o novo acordo ortográfico tem defeitos científicos. Ora abusa-se um pouco do termo científico. Existe erro científico quando as regras e o método são mal aplicados, e as conclusões deixam de ser científicas (válidas para o universo da ciência). Pode-se dizer que foi isto o que se verificou no novo acordo? Não, pois, contrariamente, não havia o propósito de estabelecer decisões cientificamente irrefutáveis. Então para quê falar de ciência, em vez de convenção, simplesmente de… acordo?
O caso espanhol
A Academia espanhola até conseguiu, há bem pouco tempo, uma gramática uniformizada para toda a hispanofonia…
A unidade na língua
A unidade da língua portuguesa na lusofonia é obtida com o novo acordo pois passa a haver um único dicionário no universo da língua. A unidade é também conseguida no facto de deixar de haver necessidade de duplos textos em documentos oficiais (como, por exemplo, somos até obrigados a fazer em Ciberdúvidas, para não confundir os irmãos brasileiros que nos leem). Todos os termos que figurarem no Vocabulário Comum passarão a ser legais em qualquer dos países de língua oficial portuguesa que tenham novo acordo em vigor.
As novas dificuldades na escrita
Claro que há necessidade de adaptação à mudança, aliás não muito difícil, como se pode observar até neste texto, válido também o Brasil no novo acordo (diferenças para o novo acordo no texto corrente [excluindo os termos apresentados como exemplos, ou duplas grafias]: a vermelho sublinhadas com um traço interrompido para Portugal; a verde e traço grosso para o Brasil e em itálico para ambos). São muitas? Contem!
Lembra-se finalmente que, qualquer que seja a nossa idade, espírito jovem é o daquele que aceita o devir de Heraclito como uma lei natural e não o de quem está sistematicamente contra a mudança, sem sequer atender ao seu lado positivo.
texto originalmente escrito para a página pessoal do autor, na Internet