À escola cabe a função de ensinar a norma e os fenómenos estáveis da língua. Não seria estruturante para a construção do conhecimento iniciar o estudo de qualquer fenómeno linguístico, como é o caso da pontuação, dizendo aos alunos que tudo é permitido e que todas as opções estão corretas. Por outro lado, a literatura tanto engloba casos de escritores que seguem a norma com todo o rigor como casos de escritores que pautam a sua escrita pelo desafio à norma como forma de experimentar outras formas de significação. Estes últimos não poderão ser usados pela escola como modelos de pontuação porque a utilização que fazem da língua é pessoal e subordina-se a intenções que funcionam dentro de um dado texto. Para além disso, o objeto de ensino da escola associa-se à escrita de textos de natureza funcional, profissional e crítica, não tendo como meta o ensino da escrita literária, o que poderia ser uma atitude seletiva para muitos alunos. Pelas razões expostas, entre outras, a escola tem de optar por ensinar o que na escrita se ajusta a todos os contextos de comunicação, de modo que os alunos conheçam as regras do registo formal e normativo.
Quanto ao uso da pontuação em geral, é também importante dizer que, nas situações em que a vírgula desempenha um papel na construção sintática (isolando, por exemplo constituintes), o seu uso está relativamente normalizado. Todavia, existe uma margem considerável para o uso da pontuação com intenções estilísticas, situação que abre espaço para um leque de opções que só um conhecimento seguro da língua permite explorar. Por essa razão, as gramáticas e prontuários quando descrevem, por exemplo, o uso da vírgula modalizam muitas vezes as afirmações feitas, recorrendo a expressões como «pode usar-se», «costuma-se», «geralmente», que mostram que não estamos perante regras inequívocas e sempre válidas.
Quanto ao uso da vírgula com a conjunção e, poderemos sistematizar os seguintes aspetos gerais ajustados ao que é comummente dito nesta situação1:
(i) não se usa vírgula antes de e com orações coordenadas introduzidas por esta conjunção;
(1) «o João fez o trabalho e apresentou-o à turma.»
(ii) quando as orações coordenadas têm um sujeito diferente, pode usar-se vírgula antes da conjunção e:
(2) «A conversa era interessante, e o filme tornou-se monótono.»
(iii) quando a conjunção e é reiterada, as orações podem ser separadas por vírgula:
(3) «Ele falou sobre o livro, e falou, e falou.»
Há ainda prontuários ou publicações no âmbito da pontuação que deixam outras possibilidades:
(iv) «Há ocasiões em que a vírgula antes do e entre duas orações é usada como medida de ênfase, embora o sujeito seja o mesmo:
Disse-lhe mil desaforos, e mais teria dito caso ele não saísse correndo.»2
Por fim, o uso da conjunção e em início de frase ocorre em muitos textos literários, como afirma o consulente. Normalmente, a escola opta por trabalhar sobretudo o seu uso em contexto de coordenação para desenvolver os processos de articulação de frases e, de novo, porque opta por começar pelos casos considerados mais regulares.
Disponha sempre!
1. Para os pontos (i) a (iii), cf. Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo. Ed. Sá da Costa, pp. 640-643.
2. Piacentini, Só Vírgula: Método Fácil em Vinte Lições. Edufscar, p. 38.