O constituinte «no Egito» é complemento oblíquo de «apareceu», não é modificador. A possibilidade de o retirar da frase («apareceu o anjo a José»), sem causar uma impressão de incompletude, não é indicativa de que se trata de um modificador. Expliquemos porquê.
O verbo aparecer, a par de outros verbos como chegar, entrar ou sair, aceita a omissão do seu complemento oblíquo, devido às suas propriedades semânticas e sintáticas. Na Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, p. 355, 1163 e 1208), aparecer é incluído entre os verbos de «apresentação» e «entrada/saída de cena», junto com desaparecer, chegar, entrar, sair, fazendo todos parte de uma classe de verbos conhecida como «verbos inacusativos». Sobre o subconjunto formado por chegar, entrar, sair (verbos de movimento), a referida gramática diz claramente que é possível omitir o respetivo complemento oblíquo de valor locativo (trata-se de um argumento opcional), desde que o contexto situacional permita identificá-lo; p. ex.: «chegou a Rita» = «a Rita chegou aqui (o lugar onde eu, o enunciador, me encontro)».
Também o verbo aparecer seleciona um argumento com a função de complemento oblíquo com o valor de locativo, como é o caso de «no Egito» em «apareceu um anjo no Egito». Este verbo, sobretudo com sujeito posposto («apareceu um anjo»), tem a particularidade de poder ser usado em frases que descrevem globalmente uma situação (juízos téticos), sem se centrarem numa entidade em especial. Ora o contexto situacional é capaz de suprir muitas vezes a informação que localiza os valores referenciais de uma frase em que ocorra o verbo aparecer, assim possibilitando a omissão do complemento oblíquo. Ou seja, quando digo «apareceu um anjo», o mais certo é a frase seja entendida como «apareceu um anjo aqui» ou, em contexto estritamente linguístico, «apareceu um anjo no lugar a que me refiro (fora do meu contexto situacional presente)».
De realçar, por último, a igual opcionalidade da realização do argumento de aparecer com a função de complemento indireto: «apareceu um anjo a José» ou «apareceu um anjo», são ambas frases corretas, não se notando que a segunda fica incompleta sem o complemento indireto a marcar o experienciador da situação descrita. É que o complemento indireto omisso pode ser recuperado pelo contexto linguístico ou situacional: «José estava sozinho no deserto do Egito. De súbito, apareceu um anjo» (também possível com um pronome átono – uma anáfora – que retoma «José» e realiza lexicalmente o complemento indireto de aparecer: «apareceu-lhe um anjo»).