A frase apresentada é de interpretação dúbia, pois poderá, na verdade, associar-se a três análises distintas: «vós, querida filha» pode ser sujeito: o mesmo constituinte poderá ser vocativo; o constituinte «querida filha», poderá, por si só, ter a função de vocativo, sendo a função de sujeito desempenhada por «tu», isoladamente.
Uma frase como a apresentada em (1) apresenta este mesmo constituinte a desempenhar a função de vocativo:
(1) «Vós, querida filha, Deus vos proteja!»
Neste caso, não há ambiguidade: «Deus» tem a função de sujeito de «proteja», o que se confirma por concordância, por sua vez, o constituinte «Vós, querida filha» desempenha a função de vocativo, pois surge desligado da estrutura argumental da frase, não tendo qualquer relação sintática com o verbo e desempenhando uma função apelativa ligada à 2.ª pessoa1.
Acresce ainda que, tradicionalmente, o vocativo é um constituinte isolado. Todavia, é possível identificar vocativos com expansões (como vimos, por exemplo, aqui), que poderão corresponder a orações relativas (2) ou a modificadores do nome (3):
(2) «Vós, que tendes todo o poder, deixai que a bondade vos inspire!»
(3) «João, meu caro amigo, vou chegar atrasado à reunião.»
Pelo exposto, as possibilidades aventadas pelo consulente em 3) são possíveis, embora as frases apresentadas pareçam pouco aceitáveis, se pensarmos nos usos do quotidiano. Não obstante, um uso similar ao apresentado em (4) corresponde à possibilidade que refere e talvez seja mais aceitável para a maioria dos falantes:
(4) «Tu, meu amigo, vê o que está a acontecer aqui!»
Neste caso, «tu» não tem relação com a forma verbal (como indica a flexão), trata-se, portanto, de um vocativo que funciona como uma «espécie de aposição à ideia do sujeito, contida no imperativo», explica-nos Bechara2.
Em nome do Ciberdúvidas, agradeço os votos que nos endereça.
Disponha sempre!
1. Critérios identificativos do vocativo apresentados por Bechara in Moderna Gramática Portuguesa. Ed. Nova Fronteira, p. 380.
2. Ibidem.