Será sempre um pouco arriscado fazer análises deste tipo sem contextualizar devidamente as ocorrências propostas. Suponhamos, então, que o enquadramento é o seguinte:
«A maioria das pessoas vive a ilusão de que o planeta funciona exclusivamente como um sistema físico, no qual condições climáticas adequadas permitiram o surgimento e a manutenção da vida. Na realidade, a terra possui outro sistema vital, o biológico. Um depende do outro, e os dois são intimamente interligados» (Thomas Lovejoy, in revista Veja – Edição Especial, Dez. 2010).
Ora bem, neste caso concreto, direi que um é artigo indefinido, estando nós na presença, portanto, de uma estrutura elíptica1, tendo o respectivo referente sido já mencionado anteriormente no texto: «Um [sistema] depende do outro [sistema]»; caso estivéssemos a falar de mais que dois sistemas, poderíamos eventualmente ter a seguinte formulação: «Uns [sistemas] dependem dos outros [sistemas].»
Um poderia ser entendido como numeral em construção partitiva2 se os dois sistemas não dependessem intimamente um do outro, mas se, pelo contrário, apenas um deles dependesse do outro. Proporíamos, nesse contexto, a seguinte paráfrase: «Um deles [dos sistemas] depende do outro [sistema]», ou, no caso de se estar a falar de mais do que dois sistemas, «Alguns deles [dos sistemas] dependem dos outros [sistemas]».
1 «Os artigos definidos não podem surgir isolados, quer por elipse do N quer por movimento do N e do complemento (ao contrário dos indefinidos e de outras formas de quantificação): [...] *A Maria viu as; OK A Maria viu umas / várias / algumas» (Maria Helena Mira Mateus e outros, Gramática da Língua Portuguesa, 2003, p. 347).
2 De acordo com Mateus e outros, op. cit., p. 364, «Um não tem, nas construções partitivas, o plural uns, mas, sim, alguns ou o cardinal dois, três; nessas condições não se trata do indefinido mas do cardinal: (a) Um dos jogadores sofreu uma lesão; (b) *Uns dos jogadores sofreram lesões; Alguns (dois, três...) dos jogadores sofreram lesões».