É de facto muito vulgar esta incorrecção que consiste em utilizar por que em vez de porque nas frases interrogativas.
Três regras essenciais que talvez contribuam para um melhor esclarecimento:
1. Utiliza-se porque em geral nas frases interrogativas e, portanto, na expressão «porque é que».
2. Utiliza-se também porque nas orações causais («Fomos embora, porque se fazia tarde»).
3. Utiliza-se por que (preposição por e interrogativo ou relativo que) quando pode ser substituído por «por qual», «por quais», «pelo qual», «pela qual», «pelos quais», «pelas quais», ou seja, normalmente quando está presente na frase o substantivo a que o que se refere.
Exemplos de 1 (advérbio interrogativo), tirados de obras de alguns escritores:
1.1. Almeida Garrett (Viagens na Minha Terra, edição didáctica, Porto, Porto Editora, 1977)
a. Cap. XV, pág. 105
«– Como e porque deixava ele o mundo?»
b. Cap. XXIII, pág. 152
– «Joaninha, Joaninha, porque tens tu os olhos verdes?...»
1.2. Eça de Queirós (Os Maias, ed. Livros do Brasil)
a. pág. 196
«– Diz-me outra coisa. Porque não tens tu voltado aos Gouvarinhos?»
b. pág. 458
«Porque não havemos de partir já para a Itália? – perguntou ela de repente, procurando a mão de Carlos. – Se tem de ser, porque não há-de ser já?...»
c. pág. 462
«– Porque vieste tão tarde?»
1.3. Bernardo Santareno, O Judeu, 11.ª ed. Lisboa, Edições Ática, 1990
a. pág. 102
«Porque teima o Inquisidor, pertinaz e aborrido, em contratar para esta vergonhosa hora a cerimónia do auto-de-fé? (…) E porque se arrenega ele, contra a evidência da mais agachada razão?!...»
b. pág. 121
«– Porque… porque somos tão desgraçados?!...»
Exemplos de 2 (conjunção causal):
2.1. Ela ofereceu-me o livro porque já o tinha lido.
2.2. Ele chegou atrasado porque teve de ir resolver um outro assunto.
2.3. Eles estão felizes porque o filho lhes deu um neto.
Exemplos de 3 (preposição por + que interrogativo ou relativo):
3.1. Por que motivo terá ela feito aquilo? (= por qual motivo)
3.2. Não sei por que motivo ele não veio.
3.3. Por que cargas de água tomou ele aquela decisão?
3.4. Por que mulher foste capaz de fazer tal loucura? (= por qual)
3.5. Ele sabe por que caminho deverá enviar os seus homens.
3.6. Tarda a decisão por que anseio. (= pela qual)
3.7. São muitas as provações por que temos de passar. (= pelas quais)
3.8. Ele desconhece a causa por que lutamos. (= pelos quais)
No entanto, no português do Brasil, nas frases interrogativas utiliza-se a locução por que em vez do advérbio porque, estando esta palavra reservada à função de conjunção subordinativa causal (ponto 2 acima). Trata-se de uma convenção ortográfica.
No Brasil, os exemplos referidos em 1. escrever-se-iam assim:
– Por que deixava ele o mundo?
– Por que tens tu os olhos verdes?
– Por que não tens tu voltado aos Gouvarinhos?
– Por que não havemos de partir já para a Itália?
– Por que não há-de ser já?
– Por que vieste tão tarde?
– Por que teima o Inquisidor (…)?
– Por que se arrenega ele (…)?
– Por que somos tão desgraçados?
Napoleão Mendes de Almeida, ilustre gramático brasileiro, faz, a este respeito, o seguinte comentário, no seu Dicionário de Questões Vernáculas (1981): «Com a função de relativo, o que sempre se separa do por, que é preposição. O que é estranho é que a ortografia oficial brasileira exija que se separe o que do por também quando interrogativo: O cur e principalmente o quaere do latim, palavra esta composta mas sempre escrita como se uma só, o why do inglês (O Webster discrimina as três funções diferentes desse advérbio, entre as quais a de interrogativo), o perché do italiano, o pourquoi do francês, o warum do alemão são em dicionários e gramáticas consignados como advérbios, sem mais dificuldades de análise nem de ortografia.»