DÚVIDAS

Todo/todos os/cada/qualquer

Apresento-lhes o seguinte:

  1. O tenente inspecionou a guarda do quartel e verificou que todos os soldados tinham uma arma.
  2. O tenente inspecionou a guarda do quartel e verificou que todo soldado tinha uma arma.
  3. O tenente inspecionou a guarda do quartel e verificou que cada soldado tinha uma arma.
  4. O tenente inspecionou a guarda do quartel e verificou que qualquer soldado tinha uma arma.

A princípio, parece-me que as quatro frases acima se referem a uma mesma realidade matemática: o número de armas é igual ao número de soldados. Mas bem sei que uma mesma realidade, por mais matemática que seja, pode ser interpretada e relatada de diferentes formas. Pois é este algo mais das letras, que vai além dos simples números, que muitas vezes me dá o que pensar:

  1. Noto, por exemplo, que a frase "A" é a única que tem o substantivo "soldado" no plural. Mas o que isso expressará de diferente em relação às outras?
  2. As frases "B", "C" e "D" estão todas com o referido substantivo no singular. Mas e daí? Estas três dirão "exatamente" a mesma coisa? E expressarão algo diferente do expressado pela "A"?
  3. Talvez fosse possível dar a "D" um sentido depreciativo e aquela certeza matemática já não estaria tão presente.
  4. Estaria a "C" significando também que nenhum soldado poderia possuir mais de uma arma? E as outras não dizem o mesmo? Vai ver a "C" é mais enfática, nesse sentido. Sei lá.

Por favor, desejava me dissessem, na medida do que lhes for possível, o que cada uma daquelas frases expressam, ou poderiam expressar, dependendo do contexto em que for possível inseri-las (se não forem muitos), de tal forma que se poderia diferenciá-las umas das outras, por mais tênue que fosse essa diferença, no que se refere ao uso dos pronomes adjetivos indefinidos em epígrafe.

Resposta

É interessante o que este prezado consulente nos apresenta.

As quatro frases estão correctas. Mas a frase «B» só se diz em Portugal com o artigo definido antes de soldado: «(...) todo o soldado (...)».

As quatro, empregadas na mesma situação, indicam a mesma totalidade de soldados. Significam o mesmo. Mas são diferentes no que visualizamos e no que sentimos na presença de cada uma. Mas falta o contexto, para que esse sentir e esse visualizar seja mais nítido em cada uma delas.

Em presença da frase «A», visualizamos um todo coeso, uma unidade formada de unidades – os soldados; e estes, formados de duas unidades: o ser humano e a arma. Visualizamos, e até sentimos, essa unidade formada de outras unidades. É como se o tenente estivesse a ver os soldados formados e armados, constituindo uma unidade. Tudo isto se deve à existência de quatro palavras no plural: Todos os soldados tinham.

Na frase «B», perde-se muito a tal coesão da frase «A», porque as palavras todo, soldado e tinha, por estarem no singular, levam-nos a visualizar soldado por soldado. É um todo menos coeso.

Na frase «C», essa falta de coesão aumenta pela presença da palavra cada. Esta frase pode-nos até levar a imaginar o tenente no quartel e verificar se cada soldado tinha a sua arma. É claro que tudo depende do contexto e/ou da situação. De facto, esta frase presta-se para significar que o tenente se foi certificar de que cada soldado tinha ou não tinha a sua arma.

Realmente, a frase «D» é a que se presta para, em determinado contexto e/ou situação, transmitirmos o seu quê de depreciativo que nos vai na sensibilidade. Isto é devido à presença do vocábulo qualquer, que é uma palavra que não faz distinção.

Estará o nosso consulente de acordo com isto? É evidente que outra pessoa daria outra interpretação. Tudo isto depende da natureza, da individualidade e da personalidade de cada um.

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa