DÚVIDAS

Supressão de preposições em complementos verbais

A propósito da polémica levantada na opinião pública por ter sido visto a fumar no avião que o transportava na sua viagem oficial à Venezuela, o senhor primeiro-ministro José Sócrates proferiu os seguintes enunciados que transcrevo, do jornal Público do dia 15 de Maio desse ano: «Tenho o convencimento que se podia fumar»; «estava convencido que não estava a violar nenhuma lei»; «Tenho agora consciência que os fumadores inconscientemente podem violar normas e regulamentos.» Em minha opinião, os três enunciados enfermam de erros de construção, por omissão da preposição de antes da conjunção subordinativa substantiva que, por as estruturas «ter conhecimento», «ter consciência», «estar convencido» e outras similares regerem essa preposição como, por exemplo, «chegar à conclusão». Com efeito, ter conhecimento, ter consciência, estar convencido, chegar à conclusão serão, em minha opinião, ter conhecimento, ter consciência, estar convencido, chegar à conclusão de algo, por isso o emprego da preposição de antes de que. São muito frequentes estas ocorrências mesmo em escritores de nomeada, para não falar nos média e nas intervenções públicas dos diversos agentes sociais, que me parecem incorrectas. Estarei errado? Agradecia o vosso comentário esclarecedor sobre esta questão.

Resposta

Considera-se que a supressão da preposição de, que introduz um complemento de verbo, substantivo ou adjectivo participial, não é um erro tão grave como a sua adição. Assim, aceita-se melhor (1) do que (2), como se mostra a seguir (o ? indica aceitabiidade duvidosa, e o *, agramaticalidade):

(1) ?«Convenci-me que tinha deixado recado.»

(2) *«Penso de que deixei recado.»

João Andrade Peres e Telmo Móia (Áreas Críticas da Língua Portuguesa, Lisboa, Editorial Caminho, 2003, pág. 111) comentam a supressão do que chamam preposições argumentais deste modo:

«O tipo de supressão de preposições argumentais [geralmente de] [...] corresponde a um fenómeno bastante difundido [..], que muitos dicionários e gramáticas registam, que encontramos em muitos dos nossos melhores autores e que aprece ser aceite por grande parte dos falantes. Assim sendo, e dado que o nosso principal critério para ajuizar da gramaticalidade de uma estrutura é precisamente a sua aceitação por parte dos falantes, não consideramos as estuturas em causa malformadas ou agramaticais, embora prefiramos aquelas em que não houve supressão.»

Os mesmo autores observam ainda: «Entre os verbos que mais favorecem a supressão conta-se gostar.» (pág. 113).

Em casos de adição de preposição Peres e Móia são peremptórios (pág. 139):

«[...] o verbo unário constar1 [...] é obrigatoriamente não presposcioado:

(480) Consta que vai haver alguns despedimentos na empresa.
(481) *Consta de que vai haver alguns despedimentos na empresa.
(482) Consta isso.
(483) *Consta disso.»

1 Um verbo unário corresponde a um verbo intransitivo e é um verbo de um lugar, ou seja, é um verbo que requer apenas um termo para construir uma predicação. Assim, em «o Augusto adormeceu», temos um verbo unário, adormecer, que se combina apeans com um termo, a expressão «o Augusto», com a função sintáctica de sujeito.

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