A interjeição uai parece ter uso extensivo em diferentes regiões do espaço linguístico do português — não é, portanto, como o consulente bem frisa, exclusivo de Minas Gerais e dos outros estados brasileiros. Mas definir com precisão as zonas dialetais onde essa interjeição é corrente não é tarefa fácil, porque os dicionários gerais podem não concordar entre si.
Dito isto, passo a comentar as hipóteses e questões levantadas pelo consulente:
1. Entre os dicionários gerais que consultei1, nenhum atribui a interjeição uai! ao falar da cidade de Setúbal. Tal não significa que a interjeição não se use ou não se tenha usado nessa cidade ou na sua região; o mais que se pode apurar, já não nos dicionários consultados, mas em dicionários de regionalismos, é que uai! também ocorre ou ocorria2 em falares algarvios, conforme se regista no Dicionário do Falar Algarvio, de Eduardo Brazão Gonçalves (Algarve em Foco Editora, 1996). Sabendo que a cidade de Setúbal acolheu muitos algarvios, é natural que a interjeição se ouvisse ou se ouça ainda nessa cidade portuguesa.
2. Só o Grande Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora (com a versão em linha do Dicionário da Língua Portuguesa da mesma editora) indica que uai! é interjeição usada na Guiné-Bissau. O Aurélio XXI diz que, além de brasileirismo, se trata de provincianismo português, sem especificar. Os restantes dicionários que consultei classificam a palavra como brasileirismo, mas também acrescentam que é regionalismo açoriano, chegando a 3.ª edição do dicionário de Cândido de Figueiredo a caracterizá-lo como termo das Flores, equivalente a ah! e oh!. O uso desta interjeição nos Açores foi mais recentemente confirmado pelo Dicionário dos Falares dos Açores — Vocabulário Regional de Todas as Ilhas (Coimbra, Edições Almedina, 2010), de J. M. Soares de Barcelos, que apresenta o seguinte exemplo de uso: «Uai! Uai! Louvado seja Deus.»
3. Vale a pena assinalar que no dicionário de Guilherme Augusto Simões figura também a forma interjetiva uei!, que exprime admiração, espanto e de uso localizado na região do Douro. A semelhança fonética com uai! pode sugerir que se trata de variante. A esta eventual relação refere-se de forma um tanto difusa Soares de Barcelos (op. cit. s. v. uei), quando apresenta uei como «exclamação característica da ilha das Flores, também usada no Corvo» e acrescenta que «[n]o Brasil são utilizadas as interj. Uai e Ué que também exprimem espanto e admiração», como que a esboçar a conexão de uei com uai (e ué); o mesmo autor confirma ainda que «[a] região do Douro é única do resto do país onde também se usa a interjeição de espanto uei».
4. Sobre a etimologia, é vaga a informação disponibilizada pelos dicionários consultados: por exemplo, o Dicionário Houaiss dá conta da proposta de Antenor Nascentes, segundo a qual a interjeição teria surgido por necessidades expressivas. Não é esse o ponto de vista de Silveira Bueno, no Grande Dicionário Etimológico Prosódico da Língua Portuguesa (São Paulo, Edição Saraiva, 1967), onde uai é «interjeição de espanto, de surpresa», correspondendo «ao ita[iano] guai, ao lat[im] vae» e tendo por variantes as formas guai e gué (na ortografia anterior güé), usadas «no português rústico do Brasil [...] com o mesmo valor de uai.» Registe-se que guay em espanhol também pode ser usado como interjeição que exprime espanto (cf. dicionário da Real Academia Espanhola).
5. Finalmente, tendo em conta que os Portugueses foram colonizadores do Brasil até princípios do século XIX e que depois, como imigrantes, acorreram em massa a esse país até às primeiras décadas do século XX, é alta a probabilidade de a interjeição ter de facto origem portuguesa. Contudo, não tenho acesso a fontes que sustentem claramente tal hipótese.
1 Cândido de Figueiredo, Novo Dicionário da Língua Portuguesa, 3.ª edição, 1920/1922; Guilherme Augusto Simões, Dicionário de Expressões Populares Portuguesas (Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2000); Novo Aurélio Século XXI, 1999; Grande Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora, 2010; Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa, 2000, Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (1.ª edição, 2000).
2 É difícil muitas vezes afirmar que uma forma tem uso efetivo entre falantes de uma região porque a mudança linguística pode ser rápida dentro de uma comunidade. No Algarve litoral, pela pressão exercida pelo desenvolvimento urbano e turístico, é possível que descrições dialetológicas que eram válidas há cerca de 20 anos estejam bastante desatualizadas.