Essa fala da aia – em discurso directo –, sem que houvesse uma pergunta formulada directamente por parte da rainha ou de qualquer outro interveniente no conto A Aia, de Eça de Queirós, e sem a presença de uma resposta, de uma opinião ou mesmo de um comentário por parte dos que a ouviram e que assistiram à cena, pode ser considerada um monólogo. Mas a presença de um monólogo não implica que não haja diálogo, pois esta fala da aia é dirigida a um público que a acompanha ao tesouro real, nele incluindo a rainha e o «velho da casta nobre», que propusera que se lhe desse esse tipo de recompensa (proposta esta apresentada pelo narrador em discurso indirecto, tal como as falas da rainha – «Então, só então, a mãe ditosa […] abraçou apaixonadamente a mãe dolorosa, e a beijou, e lhe chamou irmã do seu coração… E de entre aquela multidão que se apertava na galeria veio uma nova, ardente aclamação, com súplicas de que fosse recompensada […]. Mas como? Então um velho de casta nobre lembrou que ela fosse levada ao tesouro real, e escolhesse, de entre as riquezas […], todas as que o seu desejo apetecesse…»
De facto, esta fala é intencionalmente dirigida a um receptor específico – «Agarrara o punhal, e com ele apertado fortemente na mão, apontando para o céu […], encarou a rainha, a multidão, e gritou» –, o que revela que é um acto de enunciação com as marcas de diálogo. Baseando-nos no que diz Carlos Reis e Ana C. Lopes em Dicionário de Narratologia, referindo-se ao diálogo, verificamos que «o acto de enunciação pressupõe sempre a existência de duas “figuras”, o eu e o tu, o locutor e o alocutário. No diálogo, estes papéis são permanentemente reversíveis, já que se assiste a um intercâmbio discursivo em que cada um dos participantes funciona alternadamente como protagonista da enunciação […]».
Pode-se, assim, considerar que esta fala em discurso directo da aia é a sua resposta às falas [representadas em discursos indirectos] que surgem na narração. E, se nos fixarmos na ideia de que é um monólogo, baseando-nos no facto de que não há outros discursos directos que marquem a comunicação entre os intervenientes na acção, tal não implica que não haja diálogo. Na realidade, até o próprio monólogo interior é considerado uma variante do diálogo. Reparemos na afirmação de Carlos Reis e Ana C. Lopes em Dicionário de Narratologia: «O monólogo é apenas uma variante do diálogo: é um diálogo “interiorizado”, onde o ego cindido se desdobra num eu que fala e num eu (tu) que escuta.»
Em suma, o conceito de diálogo, segundo as teorias da literatura, não pressupõe que haja a troca directa de actos de enunciação. Celso Cunha e Lindley Cintra, em Nova Gramática do Português Contemporâneo, partilham a ideia de que o discurso indirecto «incorpora o diálogo na acção», quando dizem: «No plano expressivo, assinale-se, em primeiro lugar, que o emprego do discurso indirecto pressupõe um tipo de relato de carácter predominantemente informativo e intelectivo, sem a feição teatral e actualizadora do discurso directo. O diálogo é incorporado à narração mediante uma forte subordinação semântico-sintáctica estabelecida por meio de nexos e correspondências verbais entre a frase reproduzida e a frase introdutora.»
É de realçar também a opinião destes dois linguistas sobre a importância da presença dos dois tipos de discurso – directo e indirecto – no texto literário: «É, na verdade, do emprego sabiamente doseado de um e outro tipo de discurso que os bons escritores extraem da narrativa os mais variados efeitos artísticos, em consonância com intenções expressivas que só a análise em profundidade de uma dada obra pode revelar.»