Tem razão o caro consulente em grande parte do raciocínio que teve a amabilidade de partilhar connosco. Porém, não vislumbro razões para que a designação mais tradicionalista relativos indefinidos (aplicada aos pronomes quem e onde), dependendo dos contextos, não continue a ser utilizada, apesar de, aparentemente, as gramáticas e os estudos mais recentes a não usarem de forma tão recorrente. De facto, esta nomenclatura permite, creio eu, resolver parte do problema delineado pelo consulente, pois, efectivamente, na maioria dos casos em que não existe antecedente explícito, o pronome quem pode ser substituído por uma locução pronominal indefinida (tal como o consulente bem sublinhou) e apresentar, portanto, características de pronome indefinido.
Lindley Cintra e Celso Cunha (tal como Evanildo Bechara), por exemplo, na Nova Gramática do Português Contemporâneo (p. 346) falam em pronomes relativos sem antecedente (ou relativos indefinidos = quem e onde), dando como exemplos as seguintes frases: «Quem tem amor, e tem calma, / tem calma... não tem amor... [...]»; «Passeias onde não ando, / Andas sem eu te encontrar.».
Contudo, e aqui residirá uma outra vertente da questão apresentada pelo consulente, de imediato, os citados gramáticos têm o cuidado de dar conta da seguinte importante nota: «Nestes casos de emprego absoluto dos RELATIVOS, muitos gramáticos admitem a existência de um antecedente interno, desenvolvendo, para efeito de análise, quem em aquele que, e onde em no lugar em que. Assim, os exemplos citados se interpretariam: «Aquele que tem amor...[;] Passeias no lugar em que não ando...».
Entroncando nesta linha de raciocínio, e no seguimento de reflexões propostas por Ana Maria Brito, na sua dissertação de doutoramento de 1988 (A sintaxe das orações relativas em Português), o professor e investigador Telmo Móia propôs, em 1992, para este tipo de construções, de forma que me parece sensata e cristalina, a designação orações relativas sem antecedente expresso:
O trabalho de investigação que aqui apresento tem como tema um subtipo de orações relativas – habitualmente designadas por relativas livres ou relativas sem antecedente – que tem sido objecto de estudo por parte de diversos autores nos últimos anos. [...] Vejamos dois exemplos, sublinhados nas frases que se seguem:
(2) O professor elogiou quem leu o livro .
O aspecto sintáctico que identifica este subtipo de orações relativas é o facto de não existir na estrutura em que se inserem um antecedente nominal realizado, donde a designação de orações relativas "sem antecedente". A ausência de um antecedente expresso distingue estas orações relativas das que ocorrem sublinhadas nas frases seguintes:
(4) O professor elogiou as pessoas que leram o livro.
Como se pode observar, existe nestas frases, ao contrário do que acontecia em (1) e (2), uma expressão nominal — (as) pessoas — que serve de antecedente à oração relativa. Por isso, as relativas destas frases são por vezes designadas orações relativas com antecedente (termo que se opõe ao de orações relativas sem antecedente com que se designam as relativas das duas primeiras frases).
No entanto, conclui Telmo Móia, na verdade, mesmo nas chamadas orações relativas sem antecedente, existe «um antecedente nominal na estrutura, embora não realizado lexicalmente. Assim sendo, as designações de «relativa livre» e «relativa sem antecedente» não parecem ser as mais adequadas para designar estas orações, parecendo-me preferível a designação, que doravante utilizarei, de orações relativas sem antecedente expresso (A Sintaxe das Orações Relativas sem Antecedente Expresso do Português, Dissertação de Mestrado em Linguística Portuguesa Descritiva apresentada à Universidade de Lisboa Faculdade de Letras, Lisboa, 1992, pp. 1-3).
Esta terminologia, proposta e trabalhada por Telmo Móia, acabou por ser a adoptada por Maria Helena Mira Mateus e outros, na edição de 2003 da Gramática da Língua Portuguesa (pp. 675-676 e seguintes): «Orações relativas sem antecedente expresso ou "relativas livres" [...]. Observando exemplos como: (1) Quem vai ao mar perde o lugar; (2) Recebi quem tu recomendaste».
Finalmente, creio que valerá a pena dizer que a este exacto tipo de construções chama, por exemplo, o Dicionário Terminológico – DT (2008) orações subordinadas substantivas relativas, já que estas são introduzidas por pronomes relativos (nomeadamente, quem, o que, onde, quanto) que podem «ocorrer no mesmo contexto em que ocorrem constituintes que desempenham as funções sintácticas de sujeito (ii), de complemento directo (iii), de complemento indirecto (iv), de complemento oblíquo (v) e de modificador do grupo verbal (vi).
(iii) O Luís procura [quem o ajude na escola].
(iv) O Pedro pede dinheiro a [quem tiver].
(v) O avô precisa de [quem cuide dele].
(vi) Ela compra roupa [onde calha].».