Já aqui temos falado várias vezes de metafonia nominal. Relaciona-se principalmente com a alternância, na sílaba tónica de nomes e adjectivos masculinos, entre o fechado no singular e o aberto no plural: n[o]vo ~ n[ɔ]vos. As formas de feminino, se existirem, também têm timbre aberto: n[o]vo ~ n[ɔ]va, n[ɔ]vas.
Tradicionalmente, tende-se a descrever a metafonia como fenómeno que afecta apenas o o tónico e que se localiza nas formas do plural e do feminino de nomes e adjectivos. Com efeito, Celso Cunha e Lindley Cintra (Breve Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Edições Sá da Costa, 1994, págs. 136/137) dizem que «alguns substantivos, cuja vogal tónica é o fechado, além de receberem a desinância -s, mudam, no plural, o o fechado [o] para aberto [ɔ]» (sublinhado nosso). Ou seja, parece que, na perspectiva de Cintra e Lindley, as formas de plural é que são metafónicas. Contudo, a linguística histórica e a fonologia moderna mostram que é no singular que se verifica a metafonia, porque:
a) do latim para o português, foi o o final que fechou um ó aberto ([ɔ]) tónico para ó fechado ([o]) no singular mas não no plural: fŏcum > f[ɔ]go > f[o]go mas plural f[ɔ]gos; nŏuum > n[ɔ]vo > n[o]vo mas plural n[ɔ]vos (cf. Edwin B. Williams, Do Latim ao Português, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 2001, págs. 106, 126 e 134);
b) do ponto de vista fonológico, o singular com -o- fechado é que é metafónico, porque é mais complexo que o plural com -o- aberto (ou seja, «é o singular que se manifesta a nível fonético como sendo o resultado da aplicação de um maior número de regras fonológicas» Ernesto d´Andrade, Temas de Fonologia, Lisboa, Edições Colibri, 1992, pág. 56).
Sendo assim, respondendo concretamente às perguntas do consulente:
1. Por razões históricas, a metafonia nominal caracteriza parte importante dos substantivos e adjectivos com -o- tónico na penúltima sílaba e terminados em -o. São também casos de metafonia as palavras que etimologicamente tinham um e aberto na sílaba tónica mas que o fecharam por assimilação de -o final: por exemplo, mĕtu > m[ɛ]do > m[e]do; aduĕrsum > av[e]sso(s), av[e]ssa(s). No entanto, nestas palavras com -e- fechado não há actualmente alternância entre timbre fechado no singular e timbre aberto no plural.
Quanto a falar-se de analogia, esta tem sentido para o aparecimento de plurais com ó aberto não etimológico ou para a existência de variação no plural. Por exemplo, do ponto de vista diacrónico, o feminino e o masculino plural de formoso tinham também -o- fechado como o singular, mas passaram a ter [ɔ] por analogia com itens como nova(s) e novos. Também hoje, apesar de, normativamente, se considerar que o plural de acordo é acordos, com [o] fechado, muitos falantes pronunciam o plural com [ɔ] aberto por analogia com a alternância existente entre fogo e fogos. Outros exemplos desta variação (o plural com -o- fechado é tido por mais correcto): c[o]ros vs. c[ɔ]ros (plural de c[o]ro), b[o]lso vs. b[ɔ]lsos (plural de b[o]lso).
2. Na lista de palavras indicada pelo consulente, quase todas as vogais tónicas (em penúltima sílaba), sejam elas -o- ou -e-, têm o timbre fechado. A forma autocontrolos pode estar sujeita à analogia com fogo/fogos, mas do ponto de vista normativo o respectivo plural é também com [o] fechado.
3. Segundo Williams (op. cit., pág. 127), as consoantes nasais impediram a metafonia ou analogia. Na actualidade, a mesma tendência se verifica em português europeu. O caso de carbonos e cromos, com [ɔ], não é relevante porque o singular já tem [ɔ] aberto: carb[ɔ]no e cromo (ver dicionário da Academia das Ciências de Lisboa; ver também Andrade, op. cit., págs. 47 e 55).
4. Não creio que a metafonia se relacione com palavras cultas ou eruditas. Pelo contrário, o fenómeno ocorre nas que evoluíram por via popular: porco/porcos, fogo/fogos, novo/novos, ovo/ovos, etc.